O governante designado Miguel Díaz-Canel recorreu novamente à épica revolucionária para exaltar o papel do direito na história nacional no dia em que se celebra o jurista, afirmando que “Cuba é uma nação forjada em bases jurídicas de sólida tradição”.
Pero suas palavras geraram ceticismo dentro e fora da ilha, onde cresce a percepção de que o sistema judicial é usado como um instrumento para punir a dissidência e proteger o poder político.
Em um fio de X, o mandatário evocou figuras como Céspedes, Agramonte, Martí e Fidel Castro como “paradigmas que encontraram no Direito uma ferramenta e um suporte para seus pensamentos emancipatórios”.
Enquanto parabenizava os trabalhadores do setor jurídico, expressou sua confiança de que continuarão “construindo e fortalecendo nosso Estado Socialista de Direito e de Justiça Social”.
Lejos de representar uma justiça imparcial, o sistema jurídico cubano tem sido apontado por múltiplas organizações internacionais como uma estrutura subordinada ao Partido Comunista, onde os juízes respondem à vontade política e os advogados não atuam com independência.
“Claro, Cuba tem uma sólida tradição jurídica: juízes que não proferem sentenças, elas são lidas; advogados que defendem o direito do governo de oprimir o povo; tribunais com veredicto pronto; e um Código Penal que dá mais medo do que justiça”, escreveu em tom irônico a usuária @CalienteClavo, em um comentário.
Outro usuário, @Libertad12021, foi mais direto. “Em Cuba não há direito e nem justiça. Há mais de 1.000 presos políticos encarcerados por levantarem a voz e pedirem liberdade. Fabricaram delitos para condená-los. Todos são inocentes. Manifestar-se não é um delito. De qual direito e justiça você fala, @DiazCanelB? Você é um cínico e descarado”.
Um dos comentários mais contundentes veio de @Charliesway4eve, que desconstruiu o discurso histórico do mandatário designado por Raúl Castro.
“Cuba não foi forjada em leis, mas no sangue de quem sonhou com uma república com todos e para o bem de todos. Martí lutou contra o caudilhismo, o autoritarismo e o culto à personalidade. Morreu antes de ver seu sonho sequestrado. Fidel fez exatamente o contrário: aboliu liberdades, fechou jornais, fuzilou opositores, instaurou um regime de partido único e transformou a república em propriedade pessoal. Martí teria visto em Fidel o tirano latino-americano que tanto temia. Ele o teria chamado de traidor. E, com sorte, o teria mandado fuzilar por usurpar a causa da liberdade em nome do totalitarismo.”
Este tipo de comentários refletem o desgaste de uma cidadania que não se deixa seduzir pela linguagem jurídica do poder. Enquanto o governo celebra aniversários e cita os próceres, milhares de cubanos continuam presos por se expressarem, se manifestarem ou simplesmente por discordarem.
Organizações internacionais como Human Rights Watch e Anistia Internacional têm denunciado sistematicamente que em Cuba estão sendo realizados julgamentos sumários, negando recursos efetivos aos acusados e criminalizando o exercício de direitos fundamentais como a manifestação pacífica e a liberdade de expressão.
Após os protestos de 11 de julho de 2021, centenas de cubanos, incluindo menores de idade, foram processados e condenados a longas penas de prisão através de procedimentos repletos de irregularidades.
Vários desses julgamentos foram realizados à porta fechada, com provas manipuladas e com testemunhas exclusivamente oriundas das forças repressivas do Estado.
Muitos se lembram de casos emblemáticos como os de Luis Manuel Otero Alcántara, Maykel Osorbo ou os jovens manifestantes de La Güinera, condenados a décadas de prisão.
Em uma ilha onde o acesso a uma defesa independente é praticamente inexistente, e onde os advogados devem ser membros de organizações controladas pelo Estado, falar em um “Estado de Direito” soa, para muitos, como mais uma zombaria.
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