Perigosas subsídios dos EUA a meios de comunicação e ONGs cubanas, após ordem executiva de Donald Trump

A administração republicana paralisou neste 27 de janeiro todos os programas de ajuda externa. Após o anúncio da congelacão da medida, há mais dúvidas do que certezas

O presidente Donald Trump, anunciando-as "A América está de volta"Foto © Casa Branca

Vídeos relacionados:

A administração de Donald Trump ordenou a suspensão temporária de todos os programas de subsídios e empréstimos financiados por agências federais para ajuda externa, uma medida que afetou duramente a imprensa independente e as ONGs que promovem a democratização em Cuba. Muitas dessas organizações ainda tentam assimilar o impacto da decisão, que deixa em incerteza suas operações e fontes de financiamento.

O chefe interino do Escritório de Gestão e Orçamento, Matthew Vaeth, justificou a medida apontando que o novo Executivo precisa revisar os valores e determinar se essas subsídios estão alinhados com suas prioridades políticas.

Em um memorando, a administração ordenou às agências federais que identificassem e reavaliassem todos os programas de assistência financeira para garantir que fossem consistentes com as políticas do presidente. Vaeth enfatizou que destinar fundos públicos a medidas que não são do agrado do Governo representa "um desperdício do dinheiro dos contribuintes que não melhora a vida cotidiana daquelas pessoas a quem servimos".

A medida, que a Casa Branca anulou ao comprometer programas governamentais de habitação e saúde para americanos em situação vulnerável, também compromete seriamente a viabilidade de determinados projetos que afetam Cuba.

A congelamento temporário da ordem, deixa mais dúvidas do que certezas, pois não está claro que afete apenas políticas de combate à pobreza e ajuda humanitária, e que não impacte os demais beneficiários das famosas 'grants' das agências americanas. Em suma, não está claro para quem e por quanto tempo a paralisação ocorrerá.

Golpe ao jornalismo independente

A anulação "repentina" das subsídios causou expectativa, espanto e aturdimento entre os meios que não são afins à ditadura castrista e o ativismo dentro e fora da Ilha. Mas o que mais tem marcado a reação dos afetados tem sido o silêncio. Por trás dessa prudência está a certeza de que o regime de Díaz-Canel usará o golpe ao jornalismo independente como argumento para 'vender' que não há oposição sem o dinheiro dos Estados Unidos.

Nesse contexto, Javier Larrondo, da ONG Prisoners Defenders, decidiu não opinar sobre uma decisão que considera que afeta apenas os Estados Unidos. "Nós tratamos apenas de opinar sobre direitos humanos nos 10 países em que atuamos e essa é uma questão política interna dos Estados Unidos, país onde não operamos", disse em declarações à CiberCuba.

Os mais discretos são, sem dúvida, os elos mais fracos da corrente: os trabalhadores que veem seus empregos ameaçados. Sob a condição de anonimato, jornalistas consultados confessam seu temor pelo fechamento de suas plataformas que, como efeito colateral, deixaria os cubanos da Ilha sem acesso a canais diversos e plurais de informação.

Entre os afetados por uma medida de tal magnitude está o Diario de Cuba. Seu diretor, Pablo Díaz, não esquivou a pergunta, embora não pudesse, nesta terça-feira, 28 de janeiro, avaliar seu impacto. "Sim, nos afeta. Embora ainda seja muito cedo para determinar até que ponto e em que situação nos deixa", afirmou à CiberCuba.

O problema é grave para alguns porque, em princípio, agora lhes caberia receber por trabalhos e investimentos já realizados. Na prática, as subvenções são recebidas com um fim específico e são pagas em parcelas, conforme as iniciativas vão sendo executadas e mediante a entrega de um relatório que esclareça para onde o dinheiro foi destinado. No entanto, esses pagamentos que correspondem a trabalho já realizado não foram feitos.

Muitos acreditam que, de fato, como anunciou o Escritório de Orçamentos da Casa Branca, estamos diante de uma medida temporária, mas para outros, não se trata de um parêntese, e sim do fim. O memorando (M 25-13) compromete especialmente os projetos relacionados a temas dos quais Trump se distanciou abertamente com o apoio da maioria dos eleitores: programas de diversidade e inclusão, ideologia de gênero (woke) e relacionados ao Pacto Verde.

O anúncio teve um grande impacto, mesmo entre aqueles que não recebem 'grants'. É o caso de Wilfredo Cancio, diretor do Café Fuerte, uma plataforma que não recebeu subsídios nos 15 anos em que está em funcionamento. Mesmo assim, ele considera que estamos diante de uma má notícia. "Desde seu anúncio, emissão de memorando e atualização esclarecedora do memorando, a decisão de última hora de uma juíza de Washington DC bloqueando a suspensão e a possível anulação da ordem por parte da Casa Branca, toda essa confusão pode acabar resultando na reposição de fundos, mas alerta que o mecanismo tradicional desses benefícios financeiros está danificado e que será transformado, não exatamente para melhor."

Cancio admite que por anos criticou os procedimentos para conceder os 'grants' a organizações e meios dedicados à 'causa de Cuba', e também a falta de "uma fiscalização minuciosa de seus orçamentos". Mas, além das sérias objeções que possam existir, e que de fato ele possui, assegura que não pode negar "que se tratam de contribuições fundamentais para sustentar iniciativas muito louváveis para promover ideias, mudanças e soluções de futuro para o nosso país".

Em sintonia com Cancio está Luis Flores, CEO da CiberCuba, um meio independente que continuará funcionando, pois nunca recebeu qualquer subsídio de governos, instituições ou entidades privadas. "Nós nos financiamos 100% com publicidade", diz, ao mesmo tempo em que reconhece que a medida representa um duro golpe para o setor, pois não foi algo que estava avisado e, no caso de países como a Espanha, onde se encontram várias plataformas, fechar uma empresa te afunda em dívidas.

Para Hilda Landrove, ensaísta, investigadora e também jornalista de meios como Rialta, se a medida de suspender as subsídios aos meios independentes for finalmente implementada, "será um golpe duro não apenas no pessoal. Vai afetar o jornalismo independente e a sociedade civil".

A seu ver, a primeira coisa que vai acontecer é que "o regime vai criar uma narrativa de que esta é a prova de que o jornalismo independente cubano nunca foi independente, porque eles acreditam que essa dependência não é apenas econômica, mas também ideológica. Eles não conseguem interpretar isso de outra maneira. Há outra conclusão que diz respeito às diferenças internas nos meios de comunicação. Haverá quem diga que está tudo bem, porque existem meios mais moderados, de esquerda, que não deveriam receber dinheiro dos Estados Unidos. Isso vai passar por uma discussão relacionada à radicalização de uma parte do exílio sobre quem tem ou não direito à existência e que acharão aceitável que essa revisão que será feita condicione o discurso."

Do outro lado da balança está o escritor cubano Orlando Luis Pardo Lazo, colaborador da Hypermedia Magazine, que defende a legitimidade dos Estados Unidos para determinar como utilizam o dinheiro de seus contribuintes. "Ontem, os EUA foram criticados por aspirar a ser o policial do mundo e exportar suas influências políticas. Agora, são criticados por reconsiderar se essas exportações de capital são efetivas para quem as recebe e para o contribuinte norte-americano. Ou se é melhor redistribuí-las dentro dos EUA, por exemplo, onde existe tanta desigualdade", afirmou.

Mais contida é a opinião de Elena Larrinaga, da Rede Feminina de Cuba, uma ONG que teve que fazer ajustes em sua programação após o anúncio da paralisação das 'grants'. "Ficamos surpresas com a urgência. Chegou sem aviso prévio, o que implica deixar as atividades agendadas pela metade. Entendemos que a administração tomou essa decisão de maneira temporária e estamos confiantes de que há razões significativas para isso. Apenas queremos ressaltar e agradecer à administração americana pela janela que manteve aberta, pela qual entrava a luz e a esperança para um povo oprimido. Não temos dúvidas de que a nova administração tem um compromisso firme com os direitos humanos e as liberdades, e estamos seguras de que podemos contar com seu apoio".

Mais explícita é Laritza Diversent, da Cubalex, que em declarações à CiberCuba enfatiza que instituições como a União Europeia são responsáveis por fazer com que as ONGs cubanas dependam exclusivamente dos Estados Unidos, uma vez que exigem estar sediadas na Ilha para poder acessar as ajudas que oferecem. Mesmo estando em Havana, a Cubalex não conseguiu receber fundos europeus através de um intermediário francês, pois a exigência de estar radicada no país beneficia apenas organizações como a Federação de Mulheres Cubanas ou a Associação de Pequenos Agricultores. Em suma, o dinheiro dos contribuintes europeus acaba financiando as organizações satélites dos comunistas cubanos.

"Isso nos afeta como organização. Ao suspender os apoios, as atividades, os projetos e as operações também são suspensos. Não vamos parar o trabalho, mas vamos reduzir o serviço de consultoria. Temos que diminuir nossa equipe. Isso fere anos de trabalho formando e retendo um time. Não podemos pagar por trabalhos realizados por pessoas que adquiriram experiência e habilidades no contexto cubano. Não vamos deixar de trabalhar, mas faremos isso com menos pessoal e menos resultados. Entendo que é uma medida que não afeta apenas Cuba, mas que tem um impacto mundial muito forte. Vamos continuar trabalhando, mas com capacidade muito reduzida."

Diversent lamenta que a medida não tenha sido tomada de forma planejada, o que teria dado uma margem para decisões preventivas. "Isso agrava ainda mais a situação. Deixa as organizações em uma posição muito crítica. Em relação a Cuba, nem todos os países fornecem fundos. Um dos problemas que denunciamos é que, no caso da UE, se você não tiver registro na Ilha, não pode acessar os fundos que oferecem. Isso é discriminatório e agora se torna relevante, pois revela os perigos da dependência de fundos de um único país", acrescentou.

No fundo de toda a polêmica, o ativista e ex-preso político cubano Ariel Ruiz Urquiola acredita que está o problema da fiscalização das subsídios. No entanto, considera que o que ocorreu não dá argumentos sólidos ao regime cubano para vincular a oposição com o financiamento dos Estados Unidos. "Toda sociedade civil que aspirou à liberdade recebeu fundos de simpatizantes, sobretudo, quando está em jogo a vida dos cidadãos, mais do que os direitos."

Em qualquer caso, lamenta que, com todo o dinheiro destinado à democratização de Cuba, não haja um único caso de crime contra a humanidade denunciado a qualquer corte penal internacional ou federal de nenhum país. Também lamenta que haja pessoas recebendo fundos em nome de presos políticos quando nem mesmo estiveram em Cuba. De qualquer forma, considera que as ajudas "devem ser mantidas e financiar aqueles projetos que não sejam nem partidários nem sectários e que não beneficiem nenhuma figura política".

Em definição, a maioria reconhece que uma eventual suspensão das verbas destinadas à imprensa independente e às ONGs que lutam pela democratização de Cuba daria um golpe fatal a muitas plataformas e organizações. Outras continuarão trabalhando, mas não com os resultados nem a visibilidade que têm agora. Há consenso de que a fiscalização desses fundos deve estar à altura. Os critérios de concessão também. Mas, de modo geral, a diáspora não vê com bons olhos a desaparecimento do apoio financeiro que vem da Administração dos EUA, não apenas para os cubanos, mas para todo o mundo.

Perguntas frequentes sobre a suspensão de subsídios dos EUA a meios cubanos

Por que foram suspensas as subsídios dos EUA a meios de comunicação e ONGs em Cuba?

A administração de Donald Trump ordenou a suspensão temporária de programas de subsídios e empréstimos financiados por agências federais para realizar uma reavaliação desses fundos e garantir que estejam alinhados com suas prioridades políticas. O objetivo é evitar o que consideram um desperdício do dinheiro dos contribuintes em medidas que não beneficiem o governo norte-americano.

Qual é o impacto dessa medida no jornalismo independente cubano?

A anulação das subsídios afeta gravemente o jornalismo independente em Cuba, já que muitas plataformas poderiam fechar devido à falta de financiamento. Isso deixaria os cubanos sem acesso a informações diversas e plurais, e poderia ser utilizado pelo regime de Díaz-Canel para argumentar que não existe oposição ao governo se não houver financiamento dos Estados Unidos.

É possível que os subsídios sejam restaurados?

Existe a possibilidade de que os subsídios sejam restaurados, uma vez que uma juíza federal bloqueou temporariamente a ordem de Donald Trump até avaliar sua legalidade. A decisão final dependerá da revisão judicial e da postura futura da administração americana.

Quais outras medidas a administração Trump tomou que afetam Cuba?

Além da suspensão de subsídios, Trump restaurou Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo, o que implica severas sanções econômicas e restrições financeiras. Esta ação faz parte de uma política mais ampla de pressão sobre o regime cubano.

Arquivado em:

Tania Costa

(Havana, 1973) vive na Espanha. Ela dirigiu o jornal espanhol El Faro de Melilla e FaroTV Melilla. Foi chefe da edição de Murcia do 20 minutos e assessora de Comunicação da Vice-Presidência do Governo de Múrcia (Espanha).