
Vídeos relacionados:
O presidente Donald Trump assinou, em 11 de dezembro, uma ordem executiva focada na regulamentação da inteligência artificial (IA), que gerou intensas reações políticas e jurídicas em todo os Estados Unidos.
O documento, cuja publicação coincidiu com uma cerimônia no Salão Oval, limita a capacidade dos estados de estabelecer suas próprias normas sobre IA, buscando uma abordagem federal única que, segundo a administração Trump, garanta a liderança global do país nessa tecnologia.
A Casa Branca apresentou o texto como um esforço para “sustentar e melhorar o domínio global da IA dos Estados Unidos por meio de um marco de política nacional minimamente oneroso para a IA”.
Segundo Trump, a fragmentação normativa entre os estados representa um obstáculo para o desenvolvimento empresarial e tecnológico.
“Se tivessem que obter 50 aprovações diferentes de 50 estados diferentes, poderiam esquecer isso”, alertou durante o ato de assinatura.
O debate sobre a inteligência artificial se tornou um eixo central do discurso político americano, especialmente no contexto da competição com a China.
Durante a cerimônia, o senador Ted Cruz destacou: “É uma corrida, e se a China vencer, ganhe quem ganhar, os valores desse país afetarão toda a IA.”
“Queremos os valores norte-americanos de liberdade de expressão, de liberdade individual e de respeito ao indivíduo”, acrescentou.
Grupo de trabalho e pressão sobre os estados
A ordem executiva instrui o Departamento de Justiça a agir de forma ativa contra normativas estaduais que entrem em conflito com essa visão.
A Fiscal Geral Pam Bondi terá 30 dias para constituir um “Grupo de Trabalho sobre Litígios de IA”, cuja única missão será desafiar legalmente as leis estaduais que restrinjam o uso desta tecnologia.
Ao mesmo tempo, o secretário de Comércio, Howard Lutnick, deverá identificar quais leis estaduais “obrigam os modelos de IA a modificar seus resultados precisos”, em uma clara alusão às preocupações expressas anteriormente pelo presidente em relação ao que ele denomina “IA consciente” ou ideologicamente tendenciosa.
As jurisdições com regulamentações consideradas "onerosas" poderiam ser pressionadas a assinar acordos de não aplicação de suas próprias leis se desejarem acessar fundos federais discricionários.
Rumo a um padrão federal único
O decreto também ordena ao czar de IA da Casa Branca, David Sacks, e ao diretor do Escritório de Política Científica e Tecnológica, Michael Kratsios, que formulem recomendações para uma lei federal que possa substituir definitivamente as normas estaduais.
No entanto, o texto esclarece que algumas áreas sensíveis, como a proteção infantil, a segurança em centros de dados ou a aquisição pública de sistemas de IA, ficarão, por ora, fora dessa harmonização normativa.
“Temos 50 estados correndo em 50 direções diferentes. Simplesmente não faz sentido”, afirmou Sacks, que defendeu a medida com contundência.
“Estamos criando um mosaico confuso de regulamentações, e o que precisamos é de um padrão federal único, e é isso que diz a Ordem Executiva”, acrescentou.
Intentos legislativos anteriores e críticas ao decreto
A ordem executiva surge após várias tentativas legislativas fracassadas para centralizar a regulamentação da IA.
Em novembro e julho deste ano, tentativas no Congresso para incluir uma cláusula que concedesse ao governo federal exclusividade sobre a legislação em IA não prosperaram.
Um desses tentativas ocorreu durante o debate sobre a Lei de Autorização de Defesa Nacional, mas gerou tantas críticas que a cláusula foi eliminada.
Diversos atores políticos e especialistas veem esta ordem executiva como uma tentativa de bloquear toda regulação significativa, especialmente em nível estadual, enquanto o Congresso continua sem avançar em uma lei nacional de consenso.
Brad Carson, diretor do grupo bipartidário Americans for Responsible Innovation e ex-congressista, foi categórico.
“As grandes empresas de tecnologia falharam duas vezes em sua tentativa de incluir na legislação uma anistia para a IA,” declarou; e acrescentou que a ordem executiva assinada nesta quinta-feira em breve será bloqueada nos tribunais.
Desde a esquerda, o senador democrata Ed Markey considerou o decreto como “Um presente de Natal adiantado para seus colegas bilionários e diretores executivos”.
Um campo regulatório em disputa
A regulamentação da IA nos EUA enfrenta um impasse jurídico, tecnológico e político.
Por um lado, a inovação avança rapidamente, alimentando preocupações sobre impactos sociais, ambientais e éticos.
Por outro lado, os estados tentam legislar diante da inação do Congresso federal, enquanto a administração Trump propõe agora uma resposta executiva centralizada.
Especialistas jurídicos como Mackenzie Arnold, do Instituto de Direito e IA, alertam sobre os perigos desta lógica federalista extrema:
“Com essa mesma lógica, os estados não poderiam aprovar leis de segurança de produtos, que quase todas afetam empresas de outros estados que vendem seus produtos em nível nacional. Mas essas leis são o exemplo clássico de legislação estadual aceitável.”
O decreto assinado por Trump representa um ponto de inflexão na política tecnológica dos Estados Unidos.
Sob a bandeira da liderança global e da simplificação normativa, o documento reconfigura a relação entre estados e federação, e reanima o debate sobre os limites da intervenção estatal em uma era marcada pela automatização e pela inteligência artificial.
Sem uma lei federal clara e com as tensões crescentes entre inovação e regulação, o futuro da IA nos EUA se decide tanto nos tribunais quanto na arena política, onde a batalha para definir os valores que devem reger essa tecnologia apenas começa.
Arquivado em: