Israel Rojas fala sobre reconciliação... Tarde demais e do lado de sempre

A verdadeira reconciliação não é possível sem justiça, sem memória e sem verdade. Não se constrói a partir das margens do poder, mas sim a partir da ruptura com a impunidade. E isso é algo que, até agora, Rojas não esteve disposto a fazer.

Israel Rojas durante a entrevistaFoto © Captura de vídeo YouTube / La Joven Cuba

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As recentes declarações do músico cubano Israel Rojas, líder do grupo Buena Fe, durante uma entrevista no podcast ‘La Sobremesa’ de La Joven Cuba, acenderam as redes sociais e reavivaram o debate sobre o papel dos artistas diante da repressão ditatorial e da falta de direitos e liberdades próprias de um regime totalitário.

Embora Rojas tenha defendido a reconciliação entre cubanos e sugerido a necessidade de um indulto para alguns dos presos de 11 de julho de 2021 (11J) -algo que já havia sugerido na ocasião seguindo a linha do cantautor Silvio Rodríguez-, seu repentino tom moderado foi recebido com ceticismo, rejeição e críticas. Não é para menos: seu histórico não o respalda.

Captura de tela Facebook / La Joven Cuba

Durante anos, Rojas tem sido uma figura proeminente da cultura oficialista cubana. Tem participado ativamente em atos do regime, tem deslegitimado aqueles que protestam ou discordam, e tem utilizado sua plataforma para reproduzir o discurso governamental.

Quando milhares de cubanos saíram às ruas naquele 11 de julho, ele não os viu como cidadãos desesperados, mas sim como “confusos” ou “instrumentalizados”, alinhando-se à narrativa do poder que os rotulou como delinquentes.

Ainda em maio de 2023, quase dois anos após a onda repressiva do 11J, que levou milhares de manifestantes para as prisões, o autor de 'Catalejo' continuava negando a existência de presos políticos da ditadura. "Que eu saiba, não. E não vou falar sobre algo que não conheço", disse durante uma entrevista, esquivando-se pela tangente.

Hoje, com uma carreira que atravessa momentos difíceis e cancelamentos da sociedade civil, sem sucessos recentes nem presença relevante na cena musical cubana, Rojas optou por se mostrar mais reflexivo. Ele falou sobre reconciliação, diálogo, consensos. Mas fez isso a partir de uma ambiguidade perigosa: não mencionou diretamente a repressão, não reconheceu a existência de prisioneiros políticos e continuou justificando o sistema.

Para muitos, não é um gesto de maturidade política, mas uma estratégia de sobrevivência ou um novo serviço à Contrainteligência do regime.

Um giro oportunista

Nas redes sociais e espaços da sociedade civil, a mudança discursiva de Rojas tem sido interpretada como uma tentativa de limpar sua imagem.

Alguns o consideram até mesmo um “balão de ensaio” do regime, uma figura útil para avaliar a possibilidade de uma mudança narrativa de dentro, sem fazer concessões reais. Nesse papel, Rojas funcionaria como uma voz aparentemente crítica, mas sempre dentro dos limites do que é tolerado.

Como resumiu a ativista Yamilka Lafita (Lara Crofs em redes sociais): “Suas chamadas ao diálogo e à unidade apenas dão legitimidade a um sistema que nega as liberdades fundamentais ao seu povo”.

Este sentimento é majoritário entre aqueles que viveram ou enfrentaram a repressão do regime. A entrevista foi dissecada por numerosos ativistas, músicos e cidadãos comuns que veem em seu discurso uma operação política, e não uma evolução genuína.

Moderação ou cumplicidade

O tom moderado que Rojas adotou na entrevista pode parecer construtivo em outro contexto. Mas em Cuba, onde os artistas verdadeiramente dissidentes são censurados, perseguidos, encarcerados ou forçados ao exílio, essa moderação é vista como uma forma de cumplicidade.

O líder de Buena Fe reconheceu que a censura existe, mas a minimizou: “A censura hoje tem muitos rostos”, disse. “Provavelmente, se fizessem uma arte política confrontacional ao governo cubano, teriam mais visibilidade”. Com essa afirmação, o cantor tentou equiparar as restrições do regime às dinâmicas do mercado, evitando a raiz política do problema.

Quando se referiu aos presos do 11J, Rojas evitou falar de repressão ou injustiça. Em vez disso, propôs uma reconciliação que não passa pelo reconhecimento do dano nem pela assunção de responsabilidades por parte do regime.

“Eu disse isso em razão do 11 de julho, coloquei em um post... era hora de um apelo nacional à reconciliação, de chegarmos a um consenso, de estabelecer novos acordos”, afirmou. Mas não havia em suas palavras uma crítica clara às sentenças injustas nem ao sistema judicial controlado pelo Partido Comunista.

Onde estava Israel Rojas quando sua voz era necessária?

Muitos se perguntam por que esse apelo à reconciliação não ocorreu em 2021, quando mais de mil cubanos estavam encarcerados por marchar pacificamente. Onde estava seu compromisso naquela época?

Onde está o seu "otimismo" e o seu "diálogo" quando colegas músicos e artistas foram censurados, perseguidos ou forçados a abandonar o país?

A resposta é evidente: naquele momento, Rojas estava ao lado do poder, justificando as detenções, minimizando a indignação social e negando a natureza política dos protestos.

Agora, quando o regime se encontra cada vez mais isolado e desprestigiado, e quando sua carreira artística perdeu impulso devido à desafeição de boa parte do público, Rojas se apresenta como um “valente” moderado que pede “para entender as complexidades do país”.

Mas a moderação sem coragem é apenas uma forma de silenciamento. E em Cuba, onde a repressão não é abstrata, mas cotidiana, onde há artistas e jornalistas presos, onde protestar pode significar 10 anos de prisão, não há espaço para os matizes ambiguamente de quem se calou —ou aplaudiu— nos momentos cruciais.

Não é reconciliação, é rearranjo

O discurso de Rojas não representa uma ruptura com o regime nem um verdadeiro chamado à mudança. É, no melhor dos casos, uma tentativa de reacomodação dentro do sistema; no pior, uma operação de maquiagem para ganhar tempo enquanto tudo continua igual. Sua música — em momentos aparentemente crítica, mas sempre dentro dos limites tolerados — nunca representou uma ameaça ao poder.

Suas próprias palavras o confirmam: “Continuo confiando que a saída para esta crise... como única é possível é juntos, é no diálogo, é na paz”. Uma mensagem que, à primeira vista, poderia ser vista como generosa. Mas sem reconhecer as causas profundas do colapso nacional —autoritarismo, centralismo, censura e repressão totalitária— o diálogo que propõe não é diálogo: é capitulação diante da narrativa oficial.

Israel Rojas fala sobre reconciliação. Mas a verdadeira reconciliação não é possível sem justiça, sem memória e sem verdade. Não se constrói a partir das margens do poder, mas sim a partir da ruptura com a impunidade. E isso é algo que ele, até agora, não esteve disposto a fazer.

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Iván León

Licenciado em jornalismo. Mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática de Madri. Mestrado em Relações Internacionais e Integração Europeia pela UAB.