Prensa oficialista reconhece pela primeira vez um feminicídio em Cuba pelo seu nome

O reconhecimento do termo não é gratuito. A pressão social, o ativismo independente e a imprensa livre forçaram o regime a admitir uma crise de violência de gênero em Cuba.

Feminicídios em CubaFoto © Flickr / Lunita Lu

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Pela primeira vez, um meio oficialista cubano reconheceu um crime machista como um femicídio.

A publicação de Cubadebate, na última segunda-feira, utilizou o termo -embora em sua variante "femicídio"- para titular uma nota sobre o assassinato de uma mulher em plena via pública em Holguín nas mãos de seu esposo, um fato que também deixou gravemente ferida a filha da vítima.

A cobertura do acontecimento marca um fato inédito no ecossistema midiático estatal cubano, tradicionalmente relutante em empregar esse tipo de terminologia.

A nota sobre a prisão de um homem que assassinou uma jovem e agrediu sua filha foi reproduzida até por agências como EFE, que ressaltaram a raridade do fato: o uso da palavra "feminicídio" na imprensa oficial cubana é praticamente inexistente.

Uma exceção que confirma a regra

O reconhecimento do termo não é gratuito nem casual. Ele ocorre em um contexto em que a pressão social, o ativismo independente e o jornalismo alternativo obrigaram o regime a se render à evidência de uma crise de violência de gênero na Ilha.

As plataformas Alas Tensas e Yo Sí Te Creo em Cuba, que monitoram e verificam esses fatos de maneira independente, registraram mais de 50 em 2024 e já contabilizam 19 este ano.

Até agora, o governo tem negado categoricamente que existam feminicídios em Cuba, amparando-se em uma lógica semântica que pretende desvincular esses crimes de gênero de seu contexto estrutural e estatal.

O governante Miguel Díaz-Canel disse isso sem rodeios em março passado, durante o Congresso da Federação de Mulheres Cubanas (FMC):

"As plataformas subversivas anticubanas tentam impor a matriz de que em Cuba existe feminicídio (...). Podemos afirmar aqui categoricamente que essa é uma construção midiática completamente alheia à realidade cubana", declarou.

Um regime que prefere negar a agir

A reticência do governo em empregar o termo feminicídio não é inocente. Reconhecê-lo implicaria aceitar que existe uma violência sistemática e estrutural contra as mulheres, perante a qual o Estado tem sido historicamente passivo ou cúmplice.

Em vez de implementar políticas públicas efetivas e transparentes, o regime optou pelo silêncio, a negação e a criminalização dos ativismos independentes que exigem justiça e visibilidade.

O uso pontual do termo em Cubadebate parece mais uma estratégia tática para amenizar críticas internacionais e limpar a imagem, do que uma mudança real na política comunicacional do Estado.

Basta revisar o histórico desse mesmo meio: antes de segunda-feira, a palavra "feminicídio" só havia aparecido em quatro manchetes, e jamais para se referir a um crime ocorrido em Cuba.

Em 2021, o próprio Cubadebate publicou um texto que afirmava que "tentar reproduzir com precisão o termo feminicídio à realidade cubana é complicado", justificando a omissão com trechos da Constituição.

Por sua parte, Mariela Castro Espín, diretora do estatal CENESEX e filha de Raúl Castro, chegou a dizer em uma entrevista ao diário Tiempo Argentino em 2015:

"Nós não temos, por exemplo, femicídios. Porque Cuba não é um país violento."

Justiça na sombra

No caso específico do crime em Holguín, nem Cubadebate nem qualquer outra instância oficial identificou a vítima nem o agressor, o que reforça a opacidade institucional na gestão desse tipo de casos.

A falta de dados, estatísticas públicas e protocolos claros continua sendo a norma, apesar de que em julho deste ano o Governo reconheceu que tribunais cubanos registraram 76 assassinatos de mulheres por razões de gênero em 2024.

Mais recentemente, foi anunciada a criação de um registro informatizado de feminicídios, que ficará a cargo da Procuradoria, do Supremo Tribunal e do Ministério do Interior. No entanto, esse registro não será público, o que elimina qualquer possibilidade de controle cidadão ou auditoria independente.

Feminicídio: uma palavra que o poder teme

O uso do termo "femicídio" em Cubadebate é, sem dúvida, um marco. Mas também uma evidência da hipocrisia do regime: enquanto celebra um Código das Famílias "avançado", nega o mais elemental dos reconhecimentos: que em Cuba se assassina mulheres por serem mulheres.

O silêncio oficial não é neutro. Mata duas vezes: a vítima e sua memória.

Nomear o feminicídio é o primeiro passo para combatê-lo. Que isso tenha sido feito, finalmente, por um meio estatal, não é um avanço do regime, mas uma conquista do ativismo feminista independente e da sociedade civil que se resiste ao esquecimento.

Perguntas frequentes sobre o reconhecimento de feminicídios em Cuba

O que significa o reconhecimento do termo "feminicídio" pela imprensa oficialista cubana?

O reconhecimento do termo "feminicídio" em um meio oficialista cubano marca um marco, já que historicamente o governo tem negado a existência desses crimes na ilha. Esse reconhecimento ocorre em um contexto de pressão social e ativismo independente que busca dar visibilidade à violência de gênero em Cuba.

Como o governo cubano tem respondido às críticas sobre a violência de gênero?

O governo cubano tem sido criticado por sua relutância em reconhecer oficialmente os feminicídios e pela falta de transparência na publicação de estatísticas sobre violência de gênero. Embora tenha implementado um registro informatizado de feminicídios, este não é público, limitar a possibilidade de controle cidadão e auditoria independente.

Qual é a situação atual dos feminicídios em Cuba segundo as plataformas independentes?

As plataformas independentes Yo Sí Te Creo em Cuba e Alas Tensas registraram um total de 19 feminicídios até agora em 2025. Essas organizações assumiram o papel de documentar esses crimes devido à falta de reconhecimento oficial e transparência por parte do governo cubano.

Por que o termo "feminicídio" é importante no contexto cubano?

O termo "feminicídio" é crucial porque implica o reconhecimento de uma violência sistemática e estrutural contra as mulheres por razões de gênero. Nomear esses crimes é o primeiro passo para combatê-los e exigir justiça e políticas públicas eficazes que protejam as mulheres.

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