Governo cubano formaliza protocolo para controlar os “deambulantes” sem atacar a raiz do problema

O Acordo 10056/2025 do Conselho de Ministros estabelece o procedimento estatal para atender pessoas em situação de rua. Responde ao crescente deterioramento social em Cuba, onde a pobreza e o abandono superaram os mecanismos de assistência existentes.


O regime cubano oficializou uma norma jurídica que regula a atenção a pessoas com “conduta deambulante”, um eufemismo estatal para se referir àqueles que mendigam, vivem nas ruas ou não têm apoio familiar.

Se trata do Acordo 10056/2025 do Conselho de Ministros publicado na Gazeta Oficial, e já em vigor desde 28 de abril, o qual define este fenômeno como “um transtorno do comportamento humano multicausal” que implica “a instabilidade e a insegurança no lar, carência de autocuidado e autonomia econômica, de atenção ou amparo familiar, assim como de um projeto de vida favorável”.

A normativa estabelece “o agir com aqueles que, sem ter associada uma deficiência intelectual ou mental, se negam ao trabalho profilático”, conforme afirmou Belkis Delgado Cáceres, diretora de Prevenção, Assistência e Trabalho Social do Ministério do Trabalho e Segurança Social (MTSS), ao jornal oficial Granma.

O enfoque do regime cubano evita falar abertamente sobre pobreza extrema ou indigência, utilizando eufemismos que diluem a gravidade do problema e sua origem estrutural.

Como se estrutura a atenção?

Apesar de se tratar de um fenômeno social complexo, o controle dos “deambulantes” fica nas mãos do poder local, determina a norma jurídica aprovada recentemente pelo governo.

O governador provincial é o responsável por coordenar o sistema, enquanto o prefeito municipal será aquele que constituirá e liderará equipes multidisciplinares, com o objetivo de classificar os casos e definir estratégias de atendimento, reintegração e acompanhamento.

Os grupos serão compostos por assistentes sociais, pessoal de Saúde Pública e a Polícia. Quando se trata de menores de idade, se somam funcionários da Educação, oficiais da direção de menores do Ministério do Interior e, se a natureza do assunto exigir, representantes da Procuradoria Geral da República e do Tribunal Popular no município.

Esses grupos terão a seu cargo “a avaliação, classificação e elaboração de estratégias de solução sustentável no atendimento às pessoas com comportamento deambulante, garantindo a reintegração ao núcleo familiar, e o controle e acompanhamento de… aquelas pessoas que deambulam em territórios que não são os de sua origem e, portanto, é necessário devolvê-las ao seu local de residência”, alegou Delgado.

O enfoque é claro: contenção e "retorno" aos seus territórios de origem, sem garantias de reintegração real nem respeito à vontade dos envolvidos.

Centros de Proteção: encarceramento temporário, sem soluções estruturais

De acordo com a funcionária do MTSS, os Centros de Proteção Social são a instituição para a atenção integral às pessoas que “por diversas causas econômicas e sociais, se encontram sem domicílio fixo, em estado de abandono ou carecem de familiares em condições de prestar-lhes ajuda, com uma convivência voluntária de curto prazo de até 90 dias”.

Até a data, existem nove instituições desse tipo em Pinar del Río, Havana, Matanzas, Villa Clara, Ciego de Ávila, Camagüey, Holguín, Granma e Santiago de Cuba, e será avaliada a criação em províncias que ainda não possuem.

Delgado alertou que “não se trata de manter uma pessoa indefinidamente nesses centros, mas de buscar facilidades que permitam sua reintegração ao meio ao qual pertencem”. No caso dos idosos, afirmou, “podem ser colocados em lares de idosos, se necessário, por não contarem com a ajuda e o apoio da família”.

Para as pessoas com menos de 60 anos, mencionou a promoção de ações para a inserção laboral e social, contribuir para a reabilitação de possíveis dependências de drogas ou álcool, além de atenção e avaliação integral por parte do pessoal de Saúde.

Além disso, os governadores são responsáveis “pela atribuição de facilidades temporárias, um lar de trânsito, a entrega de habitações e a aprovação de subsídios para a reparação e construção de habitações para essas pessoas em situação de rua”, de acordo com a normativa.

Embora o discurso oficial fale de reinserção, atendimento médico e tratamento de dependências, não são fornecidos números sobre quantas pessoas foram realmente beneficiadas, reintegradas ou se essas instalações oferecem condições mínimas de vida.

Protocolo para identificar, classificar e relatar

O Estado cubano também oficializou o protocolo de identificação de pessoas com comportamento vagante “ou propensas pelo grau de desatenção familiar que apresentam” nas comunidades, grupos e famílias em risco, sob a responsabilidade de assistentes sociais, médicos e enfermeiros dos consultórios da família.

Se forem identificados menores de idade nesta situação, “deve-se comunicar urgentemente à instância correspondente do Ministério da Educação ou do Ministério da Saúde Pública, para que garantam imediatamente sua acolhida em um dos centros de assistência social dedicados a esses fins; desde que não exista um familiar ou pessoa afetivamente próxima que possa assumir a responsabilidade; e deve-se informar ao Ministério Público, enquanto são realizadas as investigações pertinentes ou são adotadas outras medidas de proteção para determinar se há um descumprimento da responsabilidade parental”, indicou Delgado.

Na prática, trata-se de uma política de vigilância e controle social disfarçada de assistência. Não existem mecanismos independentes de supervisão, nem se garante a participação voluntária dos afetados. Também não são mencionados direitos, apenas deveres e disciplina.

Ocultar os pobres sem erradicar a pobreza

A medida não aborda com clareza como reverter a mendicância, mas sim como gerir sua visibilidade. Como comentou um usuário no portal oficialista Cubadebate: “Uma coisa é erradicar a mendicância e outra é erradicar os mendigos”.

Tampouco ataca as causas estruturais do fenômeno, centradas no colapso do modelo econômico, na desintegração familiar, no envelhecimento demográfico e na emigração em massa. O Estado não reconhece sua responsabilidade nessa crise e opta por medidas reativas para ocultar seus sintomas.

A institucionalização do controle sobre os mais pobres, sob a etiqueta de “comportamento errante”, não é mais do que um outro remendo autoritário para disfarçar uma fratura social que já não pode ser escondida.

O regime cubano atribui o aumento de pessoas em situação de rua à falta de atenção familiar e ao endurecimento do embargo dos Estados Unidos.

Um recente reportagem do jornal oficialista Girón expôs uma das realidades mais dolorosas da Cuba atual: a extrema precariedade em que vivem milhares de aposentados que, após décadas de trabalho, são obrigados a sobreviver nas ruas.

O governante cubano Miguel Díaz-Canel teve que reconhecer a existência de preocupantes manifestações sociais como o trabalho infantil, a mendicância, a informalidade laboral e o assédio a turistas, algo que a imprensa oficial destacou como uma realidade muitas vezes silenciada em Cuba.

Desde meados de 2024, o governo começou a reforçar sua narrativa institucional sobre a crescente presença de pessoas sem-teto nas ruas do país.

Em junho passado, foi anunciada uma atualização da política estatal para atender às pessoas em situação de rua, com ênfase em sua realocação forçada em centros de proteção social. Antes, as autoridades afirmaram que o número de pessoas em situação de rua havia triplicado na ilha.

A nível social, existe uma preocupação com a crescendo da desigualdade e empobrecimento que o país enfrenta, um fenômeno destacado pelo jornal britânico The Times que, meses atrás, descreveu a realidade de Cuba como “um país em ruínas, onde as pessoas passam fome”.

Já em 2023, Cuba figurava como o país mais pobre da América Latina, de acordo com a empresa DatoWorld, um reconhecido observatório eleitoral internacional que avalia parâmetros como a renda per capita, o acesso aos serviços de saúde, à segurança social, à alimentação e aos espaços de habitação.

O país apresenta um índice de pobreza de 72%, o que o coloca à frente na região latino-americana.

Perguntas frequentes sobre a situação dos "deambulantes" em Cuba

O que é o Acordo 10056/2025 e como isso afeta os "deambulantes" em Cuba?

O Acordo 10056/2025 do Conselho de Ministros de Cuba é uma norma jurídica que regula a atenção a pessoas com "conduta deambulante". Este acordo busca controlar a visibilidade da mendicância sem atacar suas causas estruturais, como a pobreza extrema e o colapso do modelo econômico cubano. A medida se concentra na contenção e no retorno dessas pessoas a seus territórios de origem, sem garantir uma reintegração real nem respeitar a vontade dos envolvidos.

Qual é o papel dos Centros de Proteção Social na assistência aos "deambulantes"?

Os Centros de Proteção Social em Cuba são instituições destinadas à atenção integral de pessoas sem domicílio fixo ou em estado de abandono. Permitindo uma convivência voluntária de curto prazo de até 90 dias, mas não oferecem soluções estruturais a longo prazo. Embora se fale em reintegração e atendimento médico, não há números claros sobre quantas pessoas foram verdadeiramente beneficiadas por essas medidas.

Como está sendo gerenciada a problemática da mendicância em Cuba?

O enfoque do regime cubano em relação à mendicância baseia-se na gestão de sua visibilidade mais do que na erradicação de suas causas. As políticas oficiais tendem a culpar a desatenção familiar e fatores externos, como o embargo dos Estados Unidos, sem abordar as raízes estruturais do problema. Isso se reflete em medidas reativas e em um discurso governamental que minimiza a responsabilidade do Estado na crise social.

Quais críticas o enfoque do governo cubano enfrenta em relação aos "deambulantes"?

O enfoque do governo cubano em relação aos "deambulantes" tem sido criticado pela falta de atenção às causas estruturais da pobreza e por utilizar eufemismos que diluem a gravidade do problema. O regime opta por medidas de controle social e contenção, em vez de oferecer soluções efetivas. Essas políticas têm sido vistas como uma tentativa de ocultar a pobreza sem erradicá-la, o que reflete uma falha em abordar a crise econômica e social subjacente.

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