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O economista Joel Ernesto Marill, especialista em Políticas Econômicas no Ministério da Economia e Planejamento (MEP), se juntou ao murmúrio do regime nas redes sociais para questionar a investigação do Miami Herald que revelou a existência de 18 bilhões de dólares em ativos correntes controlados pelo conglomerado militar GAESA.
Em um extenso post no Facebook, Marill afirmou não saber se o jornal norte-americano teve acesso a estados financeiros reais, mas imediatamente lançou uma série de argumentos para semear dúvidas sobre a veracidade dos dados.
O funcionário afirmou que os números “apresentam muitos indícios de uma enorme manipulação” e sustentou sua tese em três pontos: uma suposta incoerência com as contas nacionais, o caráter “inexplicável” de certos problemas operacionais de empresas da GAESA se elas tivessem tanta liquidez, e a interpretação dos balanços segundo as normas contábeis cubanas.
Inconsistências e contradições
O primeiro ponto de Marill resultou em um exercício de comparação em que misturou magnitudes incomparáveis. Afirmou que as vendas líquidas em divisas reportadas para 2023 — mais de 17 bilhões de dólares — equivaleriam a 70% do PIB em dólares e seriam muito superiores ao total de exportações do país.
No entanto, omitió que GAESA não é apenas um ator exportador: controla setores internos dolarizados (turismo, remessas, comércio varejista em divisas, telecomunicações) que geram receitas fora das estatísticas de comércio exterior. Ou seja, comparou peras com maçãs para invalidar o número revelado pelo Herald.
Em seu segundo ponto, apresentou como "prova" contra a veracidade dos dados o deterioramento da oferta turística e a falta de abastecimento nas lojas da GAESA, assumindo que dispor de liquidez implica necessariamente reinvestir em qualidade ou estoque.
Nesse sentido, ignorou deliberadamente que as prioridades de investimento de um conglomerado opaco e politizado podem não coincidir com a lógica empresarial clássica: a acumulação de reservas para objetivos estratégicos ou políticos é perfeitamente compatível com o deterioramento dos serviços ao consumidor.
Seu terceiro argumento recorreu a um tecnicismo contábil: segundo as normas cubanas, os números em dólares de um balanço são expressos à taxa de câmbio oficial em pesos cubanos, o que reduziria drasticamente o montante real. "18 bilhões em vendas em dólares em um estado financeiro cubano corresponde, na prática, a cerca de 750 milhões de dólares", afirmou.
Mas essa alegação ignora que o Herald citou valores em dólares exatamente como aparecem nos documentos vazados, e que a conversão interna para efeitos contábeis não altera a magnitude dos saldos reais em moeda estrangeira.
Falácias e omissões
En todo seu texto, Marill eludiu um procedimento chave: não ofereceu evidências que desmentissem os documentos vazados. Suas críticas se apoiaram em suposições e em uma defesa implícita de a opacidade institucional que impede os cidadãos de acessar a informação primária.
Marill acusou outros economistas de não fazer uma “análise crítica mínima”, mas ele mesmo partiu da premissa —não demonstrada— de que os números não podem ser certos.
Além disso, cometeu uma falácia de motivação política: reduziu as denúncias sobre a GAESA a uma "lenda negra" projetada para dividir a "esquerda cubana" (seja lá o que isso for) e beneficiar a "contrarrevolução", desviando o debate do campo econômico para o ideológico, buscando desqualificar pela origem em vez de refutar com dados.
O papel do subordinado
Como funcionário do MEP, Marill escreveu a partir de uma posição de subordinação dentro da estrutura estatal que protege a GAESA de qualquer escrutínio. Não questionou a falta de auditorias, a ausência de prestação de contas nem o fato —publicamente verificável— de que o conglomerado militar opera setores estratégicos sem supervisão civil.
Sua defesa do statu quo não surpreende: o regime utiliza técnicos e especialistas como peões discursivos para legitimar decisões e realidades que não aceitam debate aberto.
Na prática, sua intervenção cumpriu a função política de blindar a GAESA frente à pressão internacional e às críticas internas, reconfigurando a discussão como um ataque externo em vez de uma denúncia da opacidade e concentração de recursos.
Estratégia repetida e delegação calculada
O post de Marill não é um fato isolado. Faz parte de uma resposta não oficial e fragmentada na qual o regime preferiu delegar em funcionários de segunda linha o que, pela magnitude da denúncia, deveria ter sido respondido por seus principais dirigentes.
O mesmo aconteceu com Rodney González Maestrey, diretor de Assuntos Legais e Análise do MINREX, que reagiu não ao Miami Herald, mas sim ao jornalista independente Mario J. Pentón, que havia comentado a investigação, desviando o debate para ataques pessoais e narrativas sobre o embargo.
Em ambos os casos, a estrutura da mensagem foi idêntica:
- Não se negam nem confirmam os dados filtrados.
- Questiona-se a coerência ou a motivação da denúncia.
- Se introduz um elemento ideológico (“ataque da extrema direita” ou “campanha contrarrevolucionária”) para desacreditar as fontes.
- Se elude qualquer referência à obrigação da GAESA de prestar contas à população ou de explicar o uso de suas reservas.
Este padrão revela uma estratégia deliberada de blindagem: evitar que figuras como Miguel Díaz-Canel, Bruno Rodríguez Parrilla, Manuel Marrero Cruz ou os altos comandantes militares fiquem diretamente vinculados a uma resposta que, pela falta de transparência, não poderiam sustentar com dados verificáveis, e que exporia a teia de corrupção que cerca o núcleo de poder do regime castrista.
Em seu lugar, ativa-se uma rede de porta-vozes subordinados —funcionários técnicos, assessores e diretores de nível médio— para ocupar o espaço discursivo e semear dúvidas. Com essa tática, o regime ganha tempo, reduz o custo político de possíveis contradições e mantém o silêncio na cúpula, enquanto se reconfigura a narrativa oficial.
Mas também evidencia que não há vontade nem argumentos para enfrentar o cerne da questão: que um conglomerado militar controla bilhões de dólares sem supervisão civil, em um país mergulhado em uma crise humanitária.
El mensaje implícito é claro: a opacidade é uma política de Estado, e a defesa da GAESA é uma linha vermelha que, por enquanto, os máximos dirigentes preferem não cruzar em público. Para não ficar em ridículo, o regime prefere mover seus peões.
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