Duro testemunho de um cubano que participou nos fuzilamentos do castrismo em La Cabaña

Vicente Hernández descreveu sem rodeios como eram executadas as sentenças de morte ditadas pelos tribunais revolucionários.

Vicente Hernández Brito, exsoldado na Fortaleza de San Carlos de La Cabaña durante os primeiros anos do regime castristaFoto © YouTube/Captura de Tela-Cubanet

Vicente Hernández Brito, que foi soldado na Fortaleza de San Carlos de La Cabaña durante os primeiros anos do regime castrista, ofereceu um testemunho estarrecedor sobre os métodos repressivos que marcaram os inícios da chamada Revolução Cubana.

Enfermo, envelhecido e mergulhado no esquecimento, Hernández participou recentemente de um passeio - registrado em um reportagem para CubaNet - onde não apenas documentou os horrores do paredão de fuzilamento, mas também a tragédia silenciosa daqueles que executaram a maquinaria do terror em nome de uma causa, para depois serem descartados pelo mesmo sistema.

“Assim se fuzilavam os presos.”

Vicente Hernández, que atualmente tem 77 anos, contou de forma direta como eram realizadas as execuções determinadas pelos tribunais revolucionários.

“Primeira ponte com a cela, quando trazíamos os presos para levá-los à capela, para levá-los a serem executados. Ali se escutava a ordem: ‘Oficial executor, cumpra a sentença do Tribunal Revolucionário. Em nome da pátria e do povo, proceeda.’ Assim eram fuzilados os presos", rememorou com uma mistura de resignação e trauma.

Tudo estava milimetricamente calculado.

"Na segunda ponte, em uma esquina, havia um poste com sacos de areia atrás. Era quadrado. Quando alguém era fuzilado, o projétil o atravessava e ia estilhaçando o poste", explicou.

Contou que os refletores se acendiam antes de cada execução, quase sempre de madrugada, e que os disparos eram ouvidos por todos os presos nas celas.

“Os presos gritavam ‘assassino!’ quando viam que levavam alguém para o paredão”, acrescentou.

O ritual prévio à morte

Antes de serem fuzilados, os prisioneiros eram despojados até mesmo de seus objetos mais pessoais, em um procedimento tão impessoal quanto brutal.

“Eles tiravam o cinto dos presos e os cadarços para que não se enforcassem. Daí os desciam por uma escada até o lugar onde os fuzilavam, lá embaixo”, explicou o ancião, insinuando o protocolo sistemático com que se despojavam os homens de toda dignidade.

Também havia espaço para a tortura psicológica. Hernández descreve o que era conhecido como o saladito, uma cela de castigo “debaixo do tanque de água, onde uma gota caía na cabeça durante horas."

"Doce horas ali te deixavam louco, mas não podias te mover nem desviar a gota. Daí o nome. Eles ficavam loucos", explicou.

A Cabana: De prisão a atração turística

Com amarga ironia, Hernández observa hoje como La Cabaña se tornou um local turístico, uma atração para visitantes e cubanos igualmente. Mas ele lembra de sua verdadeira função.

“Este lugar estava cheio de prisioneiros. Agora é para turistas, mas eram 'tempos ruins desde que você entrava'. Era um lugar terrível. A nada de bom se entrava aqui”, assegurou.

A repressão não atingia apenas os opositores ideológicos. “Você sabe quanto tempo deram a alguém por ter uma posse legal em divisas? Três anos. A outro, por ter dois ou três dólares no bolso, seis anos por tráfico de divisas.”

Pedro Luis Boitel: A morte de um símbolo

Um dos momentos mais tocantes de seu testemunho é a morte do opositor Pedro Luis Boitel, símbolo da resistência ao castrismo.

Hernández Brito assegura que foi testemunha direta de seus últimos momentos: “Eu estava de retém naquela manhã e subi para levar café à enfermaria. E me dizem: ‘Aquele que está lá dentro está morrendo.’”

Perguntei: ‘Pedro Luis?’ Disseram-me: ‘Sim, é Pedro Luis.’”

O que aconteceu a seguir ficou gravado para sempre em sua memória.

"Quando ele morreu, pedi permissão ao tenente para fechar seus olhos. E foi nesse momento que todos os prisioneiros começaram a cantar o hino nacional. Nos confinam a todos. Ninguém podia se mover. Ninguém podia sair", relatou.

Décadas depois, Hernández soube que em homenagem a Boitel foi instituído um prêmio internacional de direitos humanos e diz ter se sentido emocionado ao tomar conhecimento.

“Fiquei muito emocionado. Não sabia que esse reconhecimento existia. Fiquei orgulhoso. Eu, este velho que está aqui, estou orgulhoso de ter fechado os olhos de Pedro Luis. Ele morreu porque estava muito fraco”, concluiu.

De servidor do regime a esquecido

Mais tarde, Hernández Brito participou como "trabalhador internacionalista" e fez parte do aparelho de propaganda do regime.

“Para ser trabalhador internacionalista, você precisa passar por treinamento militar antes de ir a uma missão civil. Aqui dizem que não, que os médicos que vão para a Venezuela não são militares, mas para poder ir trabalhar em Angola, por exemplo, eu tive que me treinar como soldado.”

Hoje, no entanto, vive uma velhice que desmente as promessas da Revolução.

“Meus companheiros e pessoas vêm e comem dos lixões. Isso trouxe uma mudança radical, que não é pelo que lutamos", confessou.

Com a voz embargada, reconheceu a miséria em que se encontra: “Eu pensava que quando me aposentasse estaria tranquilo, sem problemas, com uma velhice garantida: com remédios, com atendimento médico. Se não fosse pela ajuda da minha filha, não sei onde estaria. Morto, com certeza.”

E acabou lançando uma pergunta que sintetiza a desilusão de toda uma geração: “Acabou a saúde ou não acabou? A culpa de todas essas coisas é do imperialismo?”

O testemunho de Vicente Hernández Brito é uma janela crua para o funcionamento interno da repressão nos primórdios do castrismo.

Mais que uma confissão, é uma denúncia: não apenas contra os algozes, mas contra a estrutura que os formou, os utilizou e, por fim, os lançou ao esquecimento.

Constitui também um chamado urgente à memória histórica, que obriga a olhar sem filtros os alicerces de um sistema que justificou a morte "em nome da pátria e do povo" e que depois deixou em total abandono os seus próprios "soldados".

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