Marrero Cruz sobre empresas estatais: "Deixamos que elas se deteriorassem para depois justificar sua privatização"

O primeiro ministro de Cuba referiu-se novamente à corrupção de líderes e "novos atores econômicos" do país. "Quem errou, que assuma a responsabilidade. Seja quem for. Essa sempre foi a política do governo".


O primeiro-ministro de Cuba, Manuel Marrero Cruz, revelou uma suposta estratégia de líderes corruptos em Cienfuegos, que permitiram que empresas estatais de serviços se deteriorassem para então justificar sua privatização.

A primícia foi oferecida no último sábado durante uma visita governamental àquela província, na qual Marrero Cruz pediu uma abordagem mais rígida contra aqueles que cometem crimes e ilegalidades, e criticou os proprietários de certas micro, pequenas e médias empresas, acusando-os de se tornarem "milionários" às custas do erário público e de propagar a corrupção pelo país.

Na sua intervenção, o primeiro-ministro também mencionou uma alegada estratégia de funcionários corruptos em Cienfuegos, que teriam intencionalmente deixado empresas estatais sem capital, para depois justificar a sua privatização com base nos baixos rendimentos e na sua ineficiência.

Nesse sentido, referiu-se à "descomercialização" que sofreram os estabelecimentos daquilo que foi considerada a melhor gastronomia de Cuba, os quais acabaram sendo arrendados a particulares.

"Deixamo-los deteriorar-se, sob a desculpa de que há recursos escassos, e apesar de todas as políticas que aprovamos de auto-gestão e tudo, que se auto-destrói. Uma estratégia intencional para depois justificar que é necessário privatizar", disse Marrero Cruz, conforme captado pelas câmeras do Noticiário da Televisão Cubana (NTV).

O relatório mostrou apenas um fragmento de alguns segundos com as palavras do primeiro-ministro e não ampliou a informação. Sem mencionar investigações, suspeitos ou condenados por estes fatos, Marrero Cruz voltou a lançar a sombra da suspeita de corrupção sobre líderes e "novos atores econômicos" do país.

"O que foi feito? Quem errou, que assuma a responsabilidade. Seja quem for. Essa sempre foi a política do governo", destacou o primeiro-ministro do governo de Miguel Díaz-Canel.

O opaco e crescente processo de privatizações em Cuba.

A chegada ao poder do general Raúl Castro, após a doença que pôs fim aos 47 anos que seu irmão, o ditador Fidel Castro, esteve no poder, resultou na transformação gradual do modelo comunista do regime cubano, com aberturas mínimas para a iniciativa privada e a lógica de mercado no funcionamento das empresas estatais.

No entanto, o reformismo dos "lineamentos" de Raúl apenas se limitou a entregar uma porcentagem mínima de terras ociosas a arrendatários, em sua maioria vinculados às Forças Armadas Revolucionárias, permitindo a criação de novas formas de trabalho por conta própria, geralmente em trabalhos e ofícios modestos, ou privatizando parcialmente o setor de transporte público.

No final de maio de 2014, o regime cubano aprovou um programa de desenvolvimento até 2030, que mantinha "a propriedade social sobre os meios fundamentais de produção" e descartava privatizar empresas durante esse período.

Marino Murillo Jorge, conhecido como o "czar" das reformas econômicas de Raúl Castro, apresentou o plano para 2016-2030, destacando a vontade de "manter a propriedade social sobre os meios fundamentais de produção e alcançar um modelo de desenvolvimento socialista, com eficiência".

Já desde essas datas (passou uma década), o regime cubano falava sobre "promover e estimular a ciência, tecnologia, inovação e sua generalização; transformar a matriz energética com maior participação de fontes renováveis e recuperar e modernizar a infraestrutura do país", metas presentes no discurso do governante atual.

Em princípio, há dez anos, o regime cubano descartava a privatização de empresas, pelo menos até 2030.

A chegada ao poder da "continuidade" de Díaz-Canel e o processo de privatizações.

Em dezembro de 2019, depois de mais de um ano como governante de Cuba, Miguel Díaz-Canel insistia que privatizar empresas não era o caminho. "Vamos remover obstáculos para fortalecer a empresa estatal", afirmava na época.

Reunido com seu Conselho de Ministros, Díaz-Canel afirmou que 2020 deveria ser o ano em que "tudo o que for necessário para desencadear as forças produtivas seja proposto". No entanto, ele enfatizou que isso não deveria ser "confundido com privatização, pois esse não é o nosso caminho".

Dirigida por Marrero Cruz, a reunião serviu para analisar o que precisava ser destravado do setor estatal e o que do setor privado, "para que a economia cubana seja mais harmônica e se dinamize".

"Vamos a remover obstáculos para fortalecer a empresa estatal e realizar o verdadeiro redimensionamento empresarial que o país necessita", afirmava Díaz-Canel.

No entanto, em março de 2021, o Ministério do Comércio Interno de Cuba (MINCIN) aprovou a regulamentação que permitia a privatização da gestão de estabelecimentos estatais de comércio, gastronomia e serviços com ou sem atividade.

Os requisitos exigidos aos trabalhadores independentes que aspiravam a gerir locais de propriedade estatal estavam estabelecidos na Resolução 48/2021, publicada no Diário Oficial de Cuba em 23 de março daquele ano.

Em princípio, a regulamentação era sobre o aluguel, não a transferência, de uma propriedade que apenas pessoas que residissem na província onde o restaurante, café, cabeleireiro ou qualquer outro tipo de local estivesse sendo licitado poderiam aspirar.

Raúl tinha transformado em cooperativas 258 restaurantes estatais. No entanto, esse número representava uma ínfima parte dos 1.900 estabelecimentos sob responsabilidade do Estado cubano naqueles anos, levando em consideração que, em 1959, ele havia nacionalizado todos os pequenos e médios comércios e estabelecimentos gastronômicos.

Em novembro de 2020, a Reuters adiantou os planos do regime de gerir a maioria dos 7.000 restaurantes estatais de forma privada na época, com apenas uma dúzia deles sob a gestão do MINCIN.

A decisão de privatizar os restaurantes estatais foi tomada no Congresso do Partido Comunista de 2011 e em seus famosos "diretrizes da Política Econômica e Social do Partido e da Revolução", mas em 2021, dez anos depois, ainda não havia sido totalmente implementada.

Em fevereiro de 2023, a imprensa oficialista já celebrava a abertura de uma soderia-hamburgueria no Complexo Zapata y 12 como um exemplo de "encadeamento produtivo" entre a estatal Empresa Provincial de la Industria Alimentaria (EPIA) e uma empresa privada. Naquele momento, as privatizações de estabelecimentos do setor da gastronomia estavam em alta e praticamente concluídas.

Os chamados "encadeamentos produtivos" começavam a proliferar no cenário dos serviços em Cuba, como parte de uma política econômica promovida pelo governo da "continuidade" que abria ainda mais as portas para a privatização de bens e serviços.

O sim, mas não da "continuidade".

“Aqueles que nos acusam de neoliberais devem se informar um pouco”, disse Díaz-Canel em outubro de 2023. “Para mim, que tenho uma convicção na construção socialista, baseada na maior justiça social possível, em defender a soberania e buscar prosperidade para toda a população, é ofensivo que se diga isso”.

Indignado com a "manipulação" do inimigo, o governante comparecia na Mesa Redonda para reafirmar que suas políticas econômicas eram socialistas e não deixariam de aspirar ao comunismo.

Seguimos compartiendo uma cesta básica com todos... Temos continuado a manter e desenvolver programas sociais que foram projetados pelo comandante-em-chefe em outro momento da revolução", defendia o líder da "continuidade".

Entrevistado por sua "companheira de todos os tempos", a jornalista Arleen Rodríguez Derivet, o governante afirmava que "se tivéssemos aplicado fórmulas neoliberais aqui, teríamos resolvido os problemas de 1% da população... e os demais, 'salve-se quem puder'. Não, estamos em uma situação muito difícil, mas continuamos compartilhando uma cesta básica com todos... até mesmo com aqueles que não precisam".

“Como é possível pensar que o que estamos implementando é neoliberalismo?”, disse irritado Díaz-Canel aos críticos do "pacote" de medidas anunciadas naquela época pelo seu governo. "São enormes desejos de continuar a aprimorar o socialismo e de construir o socialismo com o que podemos fazer hoje possível, dentro das circunstâncias que estamos vivendo, sem negar ou comprometer o futuro da construção socialista que alcançaremos em um momento quando superarmos esta... esta circunstância."

E concluía: "Aqui os meios fundamentais de produção continuam sendo do povo, representado no Estado. Os principais meios de produção não estão no setor privado, nem são geridos pelo setor privado. São geridos por empresas estatais, são propriedade do nosso povo e aqui não haverá privatizações desses meios fundamentais de produção."

E enquanto isso, Gil Fernández...

"Planear perdas é uma estratégia que não pode continuar, porque o desenho feito para o sistema empresarial estatal estabelece que o mesmo tem que ser rentável, eficiente, operar com lucro, com ganhos razoáveis, justos", afirmou o ministro destituído da Economia e Planejamento, Alejandro Gil Fernández, em março de 2022.

Sem precisar se o governo de Díaz-Canel contemplava um plano de privatizações de empresas estatais ineficientes, o ministro insistia que "a situação das empresas com prejuízos precisa mudar, para melhor. Como nos foi indicado e consta nos documentos guia do país, este deve ser um ano de transformação da empresa estatal, avançando em direção à eficiência," acrescentou.

"Para que a empresa estatal socialista se sacuda e traga resultados favoráveis para a economia", será necessário tomar "decisões, principalmente associadas à redução de gastos indiretos, diminuição de custos e busca por maior eficiência", como propôs o ministro demitido pelo orientador de sua tese de doutorado.

Em agosto de 2020, e após a notícia de uma fusão empresarial anglo-cubana que deu origem à empresa BioFarma Innovations, o economista Elías Amor opinou: "A necessária privatização da economia cubana e a criação de um quadro jurídico estável para a proteção dos direitos de propriedade é um caminho que terá que ser percorrido de forma obrigatória para que o país volte a funcionar".

Por isso, as privatizações devem ser ajustadas a procedimentos abertos, transparentes e informados, e em nenhum caso devem basear-se em conluios e capitalismo de amigos", concluía.

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Iván León

Formado em jornalismo. Mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática de Madrid. Mestrado em Relações Internacionais e Integração Europeia pela UAB.


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