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A narrativa de que os Estados Unidos querem “roubar o petróleo da Venezuela” volta a ocupar o centro do discurso oficial de Havana e Caracas após o lançamento da Operação 'Southern Spear', o atual desdobramento naval e aéreo de Washington no Caribe.
O movimento militar, sob o comando do Comando Sul (SOUTHCOM), inclui navios de guerra, porta-aviões e aeronaves de vigilância destinados a reforçar o controle antidrogas e a segurança regional.
No entanto, nem os dados disponíveis nem os documentos oficiais norte-americanos apoiam a acusação de um plano imperialista.
Os fatos e as estratégias declaradas pelo governo de Donald Trump visam uma política voltada para conter o narcotráfico, limitar a influência russa e iraniana na região e pressionar por uma transição democrática na Venezuela, não para a apropriação dos recursos energéticos do país sul-americano.
A propaganda de Havana e a velha teoria do “imperialismo”
Nas últimas semanas, figuras do regime cubano como Miguel Díaz-Canel, Bruno Rodríguez Parrilla e funcionários do ministério de Relações Exteriores (MINREX) intensificaram seu discurso sobre uma suposta “agressão” de Washington contra a Venezuela.
Segundo essas declarações, o objetivo “real” das operações dos Estados Unidos seria “apoderar-se do petróleo e dos recursos naturais” do país e “derrubar à força o governo constitucional de Nicolás Maduro”.
Em sua conta oficial do X (anteriormente Twitter), Díaz-Canel pediu “mobilização internacional para impedir a agressão” e “preservar a Zona de Paz latino-americana”.
Rodríguez Parrilla foi além ao afirmar que o chamado 'Cartel dos Soles' é “uma invenção do governo dos Estados Unidos para justificar ações violentas e se apropriar do petróleo venezuelano”.
O MINREX, por sua vez, publicou uma declaração na qual acusou Washington de preparar “uma ação bélica” contra Caracas, com o objetivo de “instalar um governo servil” e “colocar o petróleo venezuelano à disposição dos Estados Unidos”.
Esse roteiro não é novo. É a mesma retórica antiimperialista que Havana utiliza há mais de seis décadas: culpar os Estados Unidos e seus “interesses imperialistas” por qualquer conflito, e apresentar seus aliados —neste caso, o chavismo— como vítimas de uma conspiração estrangeira.
O que os documentos oficiais dos EUA realmente dizem?
Os informes e declarações públicas do Departamento de Estado, da Casa Branca e do Congresso dos Estados Unidos revelam uma realidade distinta.
Segundo a Estratégia Integrada do País para a Venezuela, referente ao período de 2024–2025, a política de Washington baseia-se em uma visão abrangente que combina a defesa da democracia com a estabilidade regional.
O documento afirma que o objetivo central da ação dos Estados Unidos é contribuir para restaurar o Estado de direito e as instituições democráticas, ao mesmo tempo em que se fortalece o apoio à sociedade civil e aos defensores dos direitos humanos.
Também insiste na necessidade de frear a influência de grupos criminosos e redes de narcotráfico que operam dentro e fora da Venezuela, considerados uma ameaça direta para a segurança hemisférica.
Além disso, incorpora um componente humanitário: atender à crise social e migratória provocada pelo colapso do país e fortalecer a cooperação regional para evitar que a instabilidade venezuelana se espalhe além de suas fronteiras.
Por outro lado, os Estados Unidos mantêm desde 2017 um regime de sanções severas que impede suas próprias empresas de operar com o governo de Maduro ou com a Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA).
Inclusive a Lei BOLÍVAR, aprovada em 2024 pelo Congresso, proíbe o Executivo de assinar contratos com empresas que mantenham vínculos com o regime chavista.
Em outras palavras: Washington não apenas não busca apropriar-se do petróleo venezuelano, mas renunciou expressamente a qualquer benefício econômico derivado dessa relação enquanto o país permanecer sob controle autoritário.
O petróleo já não é o troféu
O mito do “saqueio petrolífero” ignora um fato evidente: a indústria venezuelana está tecnicamente colapsada. A falta de manutenção, a corrupção, a fuga de talentos e as sanções internacionais reduziram a produção a mínimos históricos.
Hoje, grande parte do petróleo venezuelano é comercializado de forma irregular, através de triangulações com o Irã, Rússia ou China, em condições opacas e sem benefícios para a população.
Longe de intervir para ficar com esses recursos, os Estados Unidos têm centrado sua política em evitar que o petróleo financie redes criminosas ou terroristas.
O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) supervisiona cada transação relacionada à PDVSA, e qualquer empresa americana que violar essas sanções enfrenta severas penalidades penais e econômicas.
Um precedente histórico: Iraque e o mito do “imperialismo energético”
O mesmo argumento foi usado contra Washington após a invasão do Iraque em 2003: que os Estados Unidos queriam se apoderar do petróleo iraquiano. Mas vinte anos depois, os fatos provaram outra coisa.
Segundo dados do Ministério do Petróleo do Iraque e da Agência Internacional de Energia (AIE), o controle legal e operacional do petróleo iraquiano permaneceu nas mãos do Estado através de empresas públicas como Basra Oil Company e North Oil Company, supervisionadas pela estatal SOMO (State Oil Marketing Organization).
Quanto à participação estrangeira, os maiores volumes de produção atuais provêm de consórcios liderados por empresas chinesas e russas, e não americanas.
Informes do portal especializado Iraq Oil Report e da consultoria Wood Mackenzie confirmam que a PetroChina e a Corporação Nacional de Petróleo da China (CNPC) operam hoje os campos de Ahdab e Halfaya, enquanto a russa Lukoil controla West Qurna 2, um dos maiores do país.
Em contrapartida, a ExxonMobil e a BP, as duas grandes ocidentais que chegaram após a invasão de 2003, têm reduzido progressivamente sua presença desde 2020 por motivos financeiros e de segurança.
Nos últimos anos, a presença das grandes petrolíferas ocidentais no Iraque foi significativamente reduzida. A ExxonMobil, que durante mais de uma década foi operadora do gigantesco campo West Qurna 1, transferiu seus direitos principais para a PetroChina em 2024, segundo comunicado da própria empresa chinesa.
A BP, por sua vez, também diminuiu sua participação direta em projetos no sul do Iraque, reestruturando seus ativos por meio de consórcios locais.
Esta retirada gradual reflete uma mudança de equilíbrio dentro do setor: os capitais asiáticos —sobretudo chineses— e as empresas russas ampliaram seu papel operativo, enquanto o Estado iraquiano, por meio da SOMO e de empresas públicas como a Basra Oil Company, tem reforçado seu controle sobre as receitas do petróleo e as decisões estratégicas.
O caso do Iraque é, portanto, um exemplo empírico de que narrativa do “imperialismo do petróleo” não se sustenta quando se analisam os resultados concretos.
Aplicado à Venezuela, o paralelismo é evidente: os Estados Unidos não buscam controlar poços nem exportações, mas sim enfraquecer o poder de regimes aliados à Rússia e ao Irã em seu próprio hemisfério.
Segurança e democracia: Os verdadeiros interesses
As declarações do secretário de Estado Marco Rubio e do próprio presidente Trump concordam em um ponto: Venezuela não é um objetivo econômico, mas sim geopolítico e moral.
A presença russa, iraniana e chinesa no Caribe —especialmente em portos venezuelanos e cubanos— é vista como uma ameaça direta à segurança hemisférica.
Por isso, o deslocamento de embarcações e aeronaves na região responde, por enquanto, a uma lógica de pressão e dissuasão, e não de invasão.
A estratégia dos Estados Unidos também se baseia na cooperação com países democráticos do continente — Colômbia, Panamá, República Dominicana, Costa Rica — para interceptar rotas de narcotráfico e monitorar movimentos de inteligência hostil.
No plano político, Washington aposta em expulsar do poder o governo ilegítimo e fraudulento de Maduro, promover uma transição pacífica na Venezuela e devolver a soberania ao povo venezuelano, que votou em sua maioria por uma mudança ao eleger Edmundo González Urrutia e María Corina Machado como os líderes de um ansiado governo democrático.
A propaganda como cortina de fumaça
O regime cubano sabe que a narrativa do "imperialismo ianque" continua sendo eficaz entre setores que desconfiam de Washington. Por isso, a repete toda vez que os Estados Unidos agem na região.
No entanto, além do discurso ideológico, Cuba e Venezuela enfrentam crises internas profundas: escassez, inflação, migração, censura e repressão.
Culpar um inimigo externo é um mecanismo clássico de distração política e controle social.
A propaganda não resiste à evidência: os Estados Unidos não estão invadindo nem pretendem saquear a Venezuela, nem buscam exclusivamente se beneficiar do seu petróleo, apesar de as empresas americanas terem interesses legítimos em investir nesse e em outros setores da economia do país.
Seu objetivo declarado —e verificável em documentos públicos— é conter a expansão de regimes autoritários aliados a potências extrahemisféricas e promover condições para a recuperação democrática.
Atribuir a Washington intenções de saqueo petrolero é repetir um roteiro escrito nos anos 60 pela propaganda soviética e reciclado por Havana e Caracas para justificar seus fracassos.
Os dados mostram que a política dos Estados Unidos em relação à Venezuela não busca "se apoderar" de nada: busca limitar a influência russa e iraniana, combater o narcotráfico e apoiar o direito do povo venezuelano de decidir seu futuro.
A história recente, desde o Iraque até o Caribe, confirma que o mito do “imperialismo petrolífero” é isso: um mito. E como todo mito político, serve a quem o repete, não a quem o sofre.
A narrativa "antiimperialista" do regime cubano se revela particularmente hipócrita se considerarmos que Havana tem sido, por mais de duas décadas, uma das maiores beneficiárias do petróleo venezuelano, recebido a preços subsidiados ou até mesmo sem pagamento direto, em troca de sua cooperação política, militar e de inteligência.
Sob esse esquema, milhares de assessores cubanos têm operado dentro das estruturas do chavismo — desde o sistema de identificação cidadã até os aparelhos de segurança e repressão — enquanto a população venezuelana tem sido privada dos benefícios de uma comercialização transparente e justa de seus recursos naturais.
Cuba, que acusa os Estados Unidos de “imperialismo energético”, sustenta boa parte de sua economia graças ao intercâmbio desigual de petróleo por controle político, um modelo que enriqueceu as elites de ambos os regimes e empobreceu os cidadãos da Venezuela.
Nesse contexto, o discurso de Havana sobre o suposto saqueo americano não é mais do que demagogia de sobrevivência, uma tentativa desesperada de projetar para fora a culpa de sua própria dependência e do expólio interno que ajudou a perpetuar.
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