Zelensky insta a Europa a criar seu próprio Exército para reforçar seu peso geopolítico

O mandatário ucraniano pediu à Europa que criasse um exército próprio para garantir sua independência geopolítica e reduzir a dependência dos EUA, ao mesmo tempo em que criticou a exclusão dos parceiros europeus nas negociações com a Rússia.

O presidente ucraniano Volodimir Zelenski e a presidenta da CE, Ursula von der LeyenFoto © X / @ZelenskyyUa

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O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, instou neste sábado os líderes europeus a formar umas Forças Armadas próprias com o objetivo de garantir a segurança do continente diante da Rússia e conquistar independência na tomada de decisões geopolíticas, reduzindo a dependência dos Estados Unidos.

"Chegou o momento de criar as Forças Armadas da Europa", afirmou Zelenski na Conferência de Segurança de Munique (MSC, em inglês). Em sua intervenção, ressaltou a necessidade de que o futuro do continente "dependa apenas dos europeus", sublinhando a importância de uma maior autonomia estratégica para a União Europeia.

O mandatário ucraniano criticou a recente postura do presidente americano, Donald Trump, que, segundo ele, não mencionou em nenhum momento o papel da Europa nas negociações entre Ucrânia e Rússia durante uma conversa telefônica. "A Europa deve ter um assento na mesa onde se decide seu futuro", insistiu.

Em linha com o sentimento expresso por vários líderes europeus na mesma conferência, Zelenski alertou sobre a maneira como os EUA têm conduzido contatos com a Rússia e a Ucrânia sem envolver a União Europeia e seus Estados membros. "Nenhuma decisão sobre a Ucrânia sem a Ucrânia; nenhuma decisão sobre a Europa sem a Europa", enfatizou.

O chefe de Estado ucraniano instou os dirigentes europeus a criar uma força militar unificada que permita aos EUA ver a Europa não apenas como um mercado, mas como um aliado com peso estratégico. Em sua mensagem ao secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, assegurou que essa força não pretende substituir a Aliança Atlântica, mas equiparar a contribuição da Europa à de Washington.

As declarações de Zelenski ocorrem em um contexto de crescente tensão internacional. Trump afirmou recentemente que a Ucrânia está pronta para alcançar um acordo de paz com a Rússia, o que gerou preocupações em Kiev sobre uma possível negociação sem sua participação. Além disso, o presidente americano manifestou seu interesse em que a Rússia volte a fazer parte do G7, o que foi visto com desconfiança pelos aliados europeus.

Por outro lado, o presidente russo, Vladimir Putin, surpreendeu ao convidar Trump para uma reunião em Moscovo, no que muitos analistas interpretam como uma tentativa de fortalecer os laços entre ambas as potências sem considerar o impacto na Ucrânia e na UE. Zelenski, por sua vez, deixou claro que não aceitará qualquer acordo em que a Ucrânia não esteja diretamente envolvida.

Além disso, a situação no terreno continua tensa. Zelenski denunciou que a Rússia atacou com drones uma usina nuclear ucraniana, o que representa uma grave ameaça para a segurança energética e a estabilidade regional.

"Se não for Bruxelas, será Moscovo. É a vossa decisão", advertiu Zelensky, apelando à unidade da UE para enfrentar os desafios de segurança do continente.

Por sua importância, CiberCuba compartilha o texto íntegro da intervenção de Zelenski na MSC:

Na Conferência de Segurança de Munique, enfatizei que a política europeia não deve ser apenas promissora, mas deve fazer com que os Estados Unidos queiram apoiar uma Europa forte. A Europa deve decidir seu próprio futuro com confiança em sua força, de modo que os outros não tenham outra opção a não ser respeitar seu poder.

Na noite anterior a Munique, um drone russo atacou o sarcófago que cobria o quarto reator em ruínas da central nuclear de Chernobil. Tratava-se de um drone Shahed, modificado pela Rússia com tecnologia iraniana, que transportava pelo menos 50 kg de explosivos.

Consideramos que se trata de um gesto profundamente simbólico por parte da Rússia. Recentemente, na Ucrânia, falamos sobre a energia nuclear como um fator crucial para a segurança energética, apesar dos constantes ataques da Rússia. Estamos nos preparando para ampliar a central nuclear de Khmelnytskyi com a participação de empresas americanas, incluindo a Westinghouse. Isso reforçará não apenas a segurança energética da Ucrânia, mas também a de toda a Europa.

Também falamos com o presidente Trump e sua equipe sobre a usina nuclear de Zaporizhia, a maior da Europa, atualmente ocupada pela Rússia. E qual foi a resposta da Rússia? Um ataque com drones contra o sarcófago de Chernobyl, que contém poeira e destroços radioativos.

Não se trata de uma loucura, mas sim da postura da Rússia. Um país que realiza esse tipo de ataques não deseja a paz, não se prepara para o diálogo. Quase todos os dias, a Rússia envia até 100 drones Shahed, além de ataques com mísseis balísticos e um número crescente de ataques aéreos com bombas. Mas isso não é tudo.

Este ano, Moscovo planeja criar 15 novas divisões, ou seja, 150.000 soldados, mais do que todos os exércitos da maioria dos países europeus. A Rússia abre novos centros de recrutamento militar a cada semana, e Putin pode se dar ao luxo: os preços do petróleo continuam altos o suficiente para que ele possa ignorar o mundo.

Temos informações claras: neste verão, a Rússia planeja enviar tropas para a Bielorrússia, sob o pretexto de "exercícios de treinamento". Foi exatamente assim que organizaram as forças antes da invasão em grande escala da Ucrânia. Esta força russa está destinada a atacar a Ucrânia? Talvez. Ou talvez... esteja destinada a você.

Não nos esqueçamos: a Bielorrússia faz fronteira com três países da OTAN e se tornou um bastião militar russo. Putin e Lukashenko admitem que a Bielorrússia abriga agora armas proibidas: mísseis de alcance médio e até armas nucleares. Putin considera a Bielorrússia como outra província russa.

Se alguém está preparando uma plataforma de lançamento militar, o que devemos fazer a respeito? E, mais importante, o que podemos fazer antes do próximo ataque? Já houve provocações nas fronteiras da Polônia e Lituânia, nas quais foram utilizadas crises migratórias organizadas pelos serviços de inteligência russos para fomentar o caos. Mas o que acontecerá se da próxima vez não se tratar de migrantes? E se forem tropas russas ou norte-coreanas?

Não nos enganemos: os norte-coreanos não são fracos. Eles estão aprendendo a lutar em uma guerra moderna. E quanto aos seus exércitos? Estão preparados? Se a Rússia lançar uma operação de falsa bandeira ou invadir a partir da Bielorrússia (como fez na Crimeia em 2014), com que rapidez os aliados responderão? Eles responderão?

Ontem, aqui em Munique, o vice-presidente dos Estados Unidos deixou claro: a antiga relação entre a Europa e os Estados Unidos está chegando ao fim. A partir de agora, as coisas serão diferentes e a Europa precisa se adaptar.

Creio na Europa. E vocês também devem crer. Insto a todos a agir, para seu próprio bem, pelo bem da Europa, pelo bem de seu povo, de seus lares, de seus filhos e do nosso futuro compartilhado. Para isso, a Europa deve se tornar autossuficiente, unida por uma força comum, ucraniana e europeia.

Neste momento, o exército da Ucrânia, apoiado pela ajuda internacional, está freando a Rússia. Mas, se não fizermos isso, quem irá detê-la? Sejamos honestos: não podemos descartar a possibilidade de que os Estados Unidos digam "não" à Europa em questões que os ameacem diretamente.

Muitos dirigentes têm falado que a Europa precisa do seu próprio exército, um Exército da Europa. Acredito que chegou o momento. É necessário criar as Forças Armadas da Europa. Isso não é mais difícil do que manter-se firme diante dos ataques russos, como já fizemos. Mas não se trata apenas de aumentar os gastos com defesa em relação ao PIB.

O dinheiro é necessário, mas o dinheiro por si só não deterá um ataque inimigo. As armas e os soldados treinados não são gratuitos, mas não se trata apenas de questões orçamentárias. É uma questão de as pessoas perceberem a necessidade de defender seu próprio lar.

Sem o exército da Ucrânia, os exércitos europeus sozinhos não serão suficientes para deter a Rússia. Apenas o nosso exército na Europa possui experiência real e moderna no campo de batalha. Mas o nosso exército por si só também não é suficiente. Precisamos do que vocês podem fornecer: armas, treinamento, sanções, financiamento, pressão política e unidade.

Três anos de guerra em grande escala demonstraram que já temos as bases para uma força militar europeia unida. Agora, enquanto travamos esta guerra e lançamos as bases para a paz e a segurança, devemos construir as Forças Armadas da Europa. Assim, o futuro da Europa dependerá exclusivamente dos europeus e as decisões sobre a Europa serão tomadas na Europa.

Por isso estamos conversando com os líderes europeus e com os Estados Unidos sobre contingentes militares que possam garantir a paz, não apenas na Ucrânia, mas em toda a Europa. Por isso, estamos desenvolvendo a produção conjunta de armamentos, especialmente drones.

O modelo dinamarquês de investimentos conjuntos para a produção de armas na Ucrânia já está em funcionamento e está indo muito bem. Somente no ano passado, graças aos esforços da Ucrânia e de seus parceiros, fabricamos mais de 1,5 milhão de drones de diferentes tipos. A Ucrânia é agora a líder mundial na guerra com drones. Este é nosso sucesso, mas também é o sucesso de vocês.

Tudo o que construímos para nossa própria defesa também reforça nossa segurança. O mesmo deve ser aplicado à artilharia, à defesa aérea e aos veículos blindados. Tudo o que é necessário para proteger vidas na guerra moderna deve ser produzido na Europa, integralmente.

A Europa tem tudo o que precisa. Só precisa se unir e agir, de modo que ninguém possa dizer “não”, dar ordens ou tratá-la como se fosse uma presa fácil. Não se trata apenas de acumular armas, mas de criar emprego, liderança tecnológica e força econômica para a Europa.

No outono passado, no meu Plano de Vitória, propus substituir parte da presença militar americana na Europa por forças ucranianas (se a Ucrânia estiver na OTAN). Se os Estados Unidos reduzirem sua presença, é perigoso, mas a Europa precisa estar preparada. Levantei essa questão mesmo antes das eleições americanas, ao observar para onde a política americana estava se dirigindo. Mas os Estados Unidos também devem observar para onde a Europa está indo.

Esta orientação da política europeia não deve apenas ser promissora, mas deve fazer com que os Estados Unidos desejem apoiar uma Europa forte. A Europa deve decidir seu próprio futuro. Precisamos ter confiança em nossa própria força para que os outros não tenham outra opção a não ser respeitar o poder da Europa. Sem um exército europeu, isso é impossível.

Não se trata de substituir a OTAN, mas de que a contribuição da Europa para a nossa associação seja igual à dos Estados Unidos. Precisamos do mesmo enfoque na diplomacia: trabalhar juntos pela paz. A Ucrânia nunca aceitará acordos feitos às nossas custas sem a nossa participação. A mesma regra deve se aplicar a toda a Europa.

Não se podem tomar decisões sobre a Ucrânia sem a Ucrânia. Não se podem tomar decisões sobre a Europa sem a Europa. A Europa deve ter um lugar à mesa quando se tomam decisões sobre seu futuro; qualquer outra coisa não vale nada. Se nos deixarem de fora das negociações sobre nosso próprio futuro, todos perdemos.

Vejam o que Putin está tentando fazer. Este é o seu jogo. Ele quer conversas cara a cara com os Estados Unidos, como antes da guerra, quando se reuniram na Suíça e parecia que estavam prestes a dividir o mundo. Depois, ele vai tentar que o presidente americano se apresente na Praça Vermelha no dia 9 de maio, não como um líder respeitado, mas como um apoio em sua encenação.

Não precisamos disso. Precisamos de um sucesso real. Uma paz real. É possível que alguns na Europa não compreendam totalmente o que está acontecendo em Washington neste momento. Mas vamos nos concentrar em nos entender, aqui mesmo, na Europa. Primeiro devemos fortalecer a Europa.

Os Estados Unidos precisam da Europa? Como mercado, sim. Mas como aliado? Para que a resposta seja “sim”, a Europa deve ter uma única voz, não uma dúzia de vozes diferentes. Mesmo aqueles que visitam Mar-a-Lago regularmente devem fazer parte de uma Europa forte, porque ao presidente Trump não agradam amigos fracos. Ele respeita a força.

Pode ser que alguns na Europa se sintam frustrados com Bruxelas, mas sejamos claros: se não for Bruxelas, será Moscovo. Isso é geopolítica, é história. Moscovo rasgará a Europa se nós, como europeus, não confiarmos uns nos outros.

Há alguns dias, o presidente Trump me contou sobre sua conversa com Putin. Em nenhum momento mencionou que os Estados Unidos precisam da Europa nessa mesa. Isso diz muito. Os velhos tempos, em que os Estados Unidos apoiavam a Europa simplesmente porque sempre o fizeram, já ficaram para trás.

O presidente Trump disse uma vez: “O que importa não é a família em que você nasceu, mas a que você forma”. Devemos construir o relacionamento mais próximo possível com os Estados Unidos, uma nova relação, mas como europeus, não apenas como nações separadas. Por isso, precisamos de uma política externa unificada, uma diplomacia coordenada, a política externa de uma Europa comum. E o fim desta guerra deve ser nosso primeiro sucesso compartilhado nessa nova realidade.

Já estamos trabalhando para garantir que, no dia 24 de fevereiro, terceiro aniversário da invasão russa em grande escala, possamos nos reunir em Kiev e online. Todos os líderes europeus. Todos os parceiros-chave que defendem nossa segurança. Da Espanha à Finlândia. Da Grã-Bretanha à Polônia. De Washington a Tóquio.

Esta reunião deve oferecer uma visão clara dos próximos passos que daremos em matéria de paz, garantias de segurança e o futuro de nossa política coletiva. Não acredito em garantias de segurança sem os Estados Unidos: serão fracas, mas os Estados Unidos não oferecerão garantias a menos que as próprias garantias da Europa sejam sólidas.

Tampoco vou descartar a incorporação da Ucrânia à OTAN, mas neste momento, o membro mais influente da OTAN parece ser Putin, pois seus caprichos têm o poder de bloquear as decisões da OTAN, apesar de que foi o exército da Ucrânia que deteve a Rússia, não um país da OTAN, nem tropas da OTAN, mas apenas o nosso povo e o nosso exército.

Nesta guerra, não há exércitos estrangeiros lutando ao lado da Ucrânia, mas Putin perdeu quase 250.000 soldados e mais de 610.000 ficaram feridos. Somente na batalha de Kursk, nossas tropas eliminaram quase 20.000 soldados russos. Destruímos completamente as unidades norte-coreanas que Putin teve que trazer porque suas próprias forças não eram suficientes para conter nossa contraofensiva.

Desde há mais de seis meses, os ucranianos mantêm uma posição firme em território russo, apesar de que a Rússia queria criar uma “zona de contenção” dentro do nosso território. Estou orgulhoso da Ucrânia e do nosso povo, mas peço a cada um de vocês que respondam honestamente: se a Rússia viesse à sua procura, seu exército conseguiria lutar da mesma maneira?

Não quero que ninguém tenha que ficar sabendo disso. É por isso que estamos falando de garantias de segurança. Acreditamos que o núcleo de qualquer garantia de segurança para a Ucrânia deve ser a adesão à OTAN. Ou, se isso não for possível, então as condições que nos permitam construir outra OTAN, aqui mesmo, na Ucrânia.

Em algum momento haverá uma fronteira entre a guerra e a paz. Onde essa fronteira será traçada e quão firme será, depende de nós. A fronteira oriental da Ucrânia, a fronteira oriental da Bielorrússia, as fronteiras orientais dos Estados Bálticos, a fronteira oriental da Finlândia. Essa é a linha de segurança mais sólida para todos nós na Europa, pois é a linha do direito internacional.

Ainda nos lembramos do que é o direito internacional? Sejamos sinceros, a expressão “direito internacional” já parece um pouco antiquada. Mas acredito que a missão da Europa é garantir que o direito internacional continue a ser relevante.

Que garantias de segurança pode oferecer Putin? Antes da guerra, muitos duvidavam que as instituições da Ucrânia pudessem suportar a pressão russa. Mas, no final, foi Putin quem enfrentou uma rebelião armada de dentro. Foi ele quem teve que defender sua própria capital de seus próprios senhores da guerra. Isso por si só demonstra sua fragilidade.

O que acontecerá com os milhões de soldados russos que atualmente lutam na Ucrânia? Onde eles irão lutar se não for na Ucrânia? Não podemos aceitar um cessar-fogo sem garantias reais de segurança, sem pressionar a Rússia, sem um sistema que mantenha a Rússia sob controle.

Para lutar contra nós, Putin retirou tropas da Síria, da África, do Cáucaso e até de alguma parte da Moldávia. Neste momento, ele enfrenta uma escassez de forças de combate. Se esta guerra terminar mal, terá um excedente de soldados experientes em batalha que não sabem fazer outra coisa além de matar e saquear.

Esta é mais uma razão pela qual esta guerra não pode ser decidida por alguns poucos líderes, nem por Trump e Putin, nem por mim e Putin, nem por ninguém que se sente aqui em Munique para conversar a sós com Putin. Precisamos exercer pressão juntos para alcançar uma verdadeira paz.

Putin não pode oferecer garantias reais de segurança. Não apenas porque é um mentiroso, mas porque a Rússia, em seu estado atual, precisa da guerra para manter o poder. E o mundo deve estar protegido disso.

O que faz falta? Forças Armadas da Europa como um aprimoramento da OTAN. Uma política externa europeia comum. Um nível de cooperação europeia que Washington deve levar a sério. O direito internacional. Manter toda a pressão sobre a Rússia, porque essa pressão é o que garante a paz, não as palavras de Putin, nem apenas alguns papéis.

Putin mente. É previsível e fraco. Devemos aproveitar isso agora, e não mais tarde. Devemos agir como Europa, não como pessoas separadas. Alguns dizem que o ano novo não começa em 1º de janeiro, mas sim com a Conferência de Segurança de Munique. Este novo ano começa agora: que seja o ano da Europa. Unida, forte, segura e em paz. Paz para a Ucrânia, Europa e para todo o mundo.

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