Em Pinar del Río, a bancarização prometia facilitar a vida, mas se tornou um obstáculo cotidiano para trabalhadores, aposentados e trabalhadores autônomos que se debatem entre caixas eletrônicos desabastecidos, conexões instáveis e comércios que continuam a exigir dinheiro em espécie.
O resultado é um sistema que, mais do que modernizar, complicou o acesso ao salário e ao consumo básico.
Um extenso reportaje do jornal oficial Guerrillero reconheceu que a escassa rede de caixas eletrônicos colapsa a cada dia diante de longas filas que inundam portais e ruas.
A infraestrutura não dá conta: os bancos não recebem dinheiro suficiente para abastecer os caixas eletrônicos com frequência, e as denominações pequenas predominam, tornando complicado o saque de quantias modestas. Nem o uso de caixas extras nem os horários estendidos compensam a falta de liquidez.
Em paralelo, os pagamentos digitais enfrentam uma dupla barreira: a falta de cultura tecnológica em uma população envelhecida e a recusa de muitos comércios em aceitar transferências.
Raydelín Martínez, um trabalhador estatal, explicou ao jornal que estava há dias na fila para retirar seus 5.000 pesos de salário, enquanto lhe era difícil pagar através das plataformas eletrônicas.
“Às vezes porque não há energia e, sem conexão, a Enzona não abre; outras vezes porque os comerciantes preferem que a gente pague em dinheiro. O fato é que eles dificultam a vida, como se não bastasse tudo o que já se vive”, resumiu Martínez.
Muitos usuários relatam ter problemas para pagar valores superiores a 1.500 pesos em alguns comércios, algo que o próprio banco nega.
A confusão persiste até mesmo entre aqueles que tentam cumprir as regras. Clientes como Francisco Argudín, de 70 anos, não conseguem distinguir se estão pagando uma conta fiscal, o que impede a obtenção de benefícios. Outros, como Enrique González, enfrentam cobranças duplicadas por pagar online e não recebem reembolsos, apenas a oferta de levar outro produto.
Os próprios diretores do Banco Popular de Ahorro e do Bandec reconhecem as limitações. Afirmam que “nem os códigos QR nem as contas bancárias fiscais têm limite de recebimento. Elas podem receber desde 10 pesos por dia até 10 milhões ou mais”, mas admitem que a falta de eletricidade e conexão de dados impede seu uso normal.
Das mais de 270 radiobases na província, 66% não têm suporte energético: quando a energia acaba, elas se desligam e todo o tráfego móvel fica suspenso.
Tampouco os comércios estão alinhados. Muitos trabalhadores autônomos, mipymes e cooperativas não agropecuárias insistem em receber em dinheiro, com o argumento de que depois não conseguem acessar os fundos para despesas operacionais.
A inspeção detecta evasões como o uso de contas pessoais e a ausência de QR, podendo aplicar multas de 16.000 a 36.000 pesos para TCP e mipymes, e de 24.000 a 60.000 pesos no caso das cooperativas.
O Estado tenta manter o controle com sanções, mas os números mostram uma realidade desconfortável: apenas entre 10% e 12% das 700.000 operações mensais são feitas por vias digitais em Pinar del Río. A meta de um sistema mais transparente e controlado esbarra em uma cultura do dinheiro em espécie que não desaparece por decreto.
Para os aposentados, o panorama é ainda mais crítico. Embora os bancos assegurem garantir o pagamento em dinheiro, as condições nem sempre permitem isso. Eles enfrentam longas esperas em caixas eletrônicos ou em comércios que não aceitam cartões, justamente quando estão mais vulneráveis à mudança forçada.
A bancarização falhou em seus objetivos e “longe de facilitar a vida das pessoas, criou um problema a mais… o objetivo primário do processo é que a população possa usufruir de determinadas vantagens, mas, infelizmente, foi exatamente o contrário”, admitiu Calex Edilio González Chill, coordenador de programas e objetivos do Governo Provincial em Pinar del Río.
Enquanto isso, os cubanos continuam presos em um limbo financeiro: seu salário digital não é aceito na maioria dos comércios; os bancos não têm dinheiro em caixa; e os negócios, longe de facilitar a transição, a bloqueiam. O resultado é claro: depois de um mês de trabalho, nem todos conseguem usar seu dinheiro. Um modelo que deveria empoderar acaba deixando as pessoas com menos controle e mais frustração.
Em abril passado, a imprensa oficial em Matanzas também reconheceu o fracasso da bancarização na província ocidental, e mencionou negócios que evitam o controle fiscal, QR inutilizáveis e falta de conectividade.
O governo cubano reconheceu em abril de 2024 o fiasco que supôs o processo de bancarização empreendido em agosto de 2023, assim como a taxa de câmbio oficial que estabeleceu para as divisas como parte do “ordenamento econômico e monetário”.
A bancarização em Cuba tem sido um tema de constante debate e frustração para a população. A medida encontrou uma grande resistência devido à falta de infraestrutura tecnológica e à desconfiança no sistema financeiro estatal.
Os cubanos reagiram com indignação, apontando que a medida não só limita seu acesso ao dinheiro em espécie, mas também complica o comércio e os serviços básicos. A falta de caixas eletrônicos operacionais, as longas filas nos bancos e a imposição de pagamentos eletrônicos em um país com falhas constantes de conectividade foram alguns dos problemas mais denunciados.
Apesar das dificuldades, em junho de 2024, o governante Miguel Díaz-Canel insistiu na bancarização dos mercados agropecuários, uma medida que gerou ainda mais rejeição, especialmente entre os produtores, que dependem do dinheiro em espécie para suas transações diárias.
A proposta buscava digitalizar os pagamentos na comercialização de alimentos, mas os agricultores alertaram que o sistema bancário cubano não estava preparado para gerenciar as transações do setor agropecuário sem afetar a disponibilidade de produtos nos mercados.
Para finais de 2024 e inícios de 2025, a bancarização se tornou um fator chave da crise de liquidez em Cuba. Em municípios como Jovellanos, os trabalhadores enfrentavam restrições para retirar seus salários em dinheiro, o que gerou longas filas e um profundo descontentamento.
Em Santiago de Cuba, até foram relatados atos de vandalismo contra agências bancárias, refletindo a desesperação de uma população que se via obrigada a lidar com um sistema financeiro colapsado.
Apesar das tentativas do governo de apresentar a bancarização como uma solução econômica, a realidade nas ruas mostrou um panorama de incerteza e descontentamento. O fracasso do programa não apenas afetou o dia a dia dos cubanos, mas também teve um impacto na taxa de câmbio, encarecendo o acesso a divisas e aprofundando a crise econômica na ilha.
Perguntas Frequentes sobre a Bancarização em Pinar del Río e a Crise de Serviços
Por que falhou a bancarização em Pinar del Río?
A bancarização falhou em Pinar del Río devido à falta de infraestrutura, que inclui uma rede insuficiente de caixas eletrônicos que colapsam devido a longas filas, falta de dinheiro para abastecê-los e dificuldades no uso de pagamentos digitais devido à escassa cultura tecnológica e à recusa de estabelecimentos em aceitar transferências. Esses problemas complicaram o acesso ao salário e ao consumo básico, gerando frustração na população.
Quais problemas os aposentados enfrentam com o sistema bancarizado em Cuba?
Os aposentados enfrentam longas esperas em caixas eletrônicos e bancos, onde muitas vezes não conseguem receber suas pensões completas devido à falta de dinheiro em espécie. Além disso, alguns estabelecimentos não aceitam cartões, o que aumenta a vulnerabilidade desse grupo diante de um sistema que deveria facilitar suas vidas, mas que acabou se tornando mais um obstáculo.
Qual é a situação atual dos serviços de telecomunicações em Pinar del Río?
A telefonia fixa em Pinar del Río tem sofrido interrupções significativas, afetando mais de 60.000 clientes devido a falhas na central telefônica. Embora a ETECSA tenha restabelecido parcialmente o serviço, a falta de transparência e as tarifas elevadas geraram um forte descontentamento entre os usuários, que dependem de um monopólio sem concorrência.
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