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Camila Piñeiro Harnecker, professora da Universidade de Havana e destacada especialista em economia cooperativa e socialismo cubano, recebeu em 2022 financiamento indireto da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) por meio de uma organização onde trabalhou.
A revelação gerou uma onda de reações, devido à figura histórica de seu pai, Manuel Piñeiro Losada, apelidado de ‘Barbarroja’, chefe da inteligência cubana e promotor de guerrilhas e movimentos comunistas na América Latina.
O analista americano J. Michael Waller, do Center for Security Policy, denunciou em sua conta de X (antes Twitter) que a USAID financiou uma entidade onde esteve empregada Piñeiro Harnecker, sugerindo um possível conflito de interesses.
Assim, Stephen Richardson, outro usuário da rede social, destacou que esse financiamento levanta questões sobre a influência dos Estados Unidos na esfera ideológica e econômica cubana, uma vez que a professora se dedicou à análise e promoção do modelo de cooperativas como parte de um socialismo renovado na Ilha.
Um nexo político e midiático
Além de sua carreira acadêmica, o perfil de Piñeiro Harnecker gerou controvérsia devido ao seu vínculo matrimonial com Nick Miroff, repórter que cobre o Departamento de Segurança Nacional para o The Washington Post, destinado a Havana entre os anos de 2010 e 2017 como correspondente para a América Latina.
Esta conexão suscitou especulações sobre uma possível interseção entre a política externa dos Estados Unidos e o tratamento midiático do socialismo cubano. A relação de Piñeiro Harnecker com um membro da staff de um meio de grande influência em Washington intensificou o debate sobre as conexões entre as estruturas de poder e a narrativa sobre Cuba na imprensa internacional.
O pai de Camila, Manuel Piñeiro Losada, foi um pilar fundamental da inteligência cubana na época da Guerra Fria e uma peça chave na exportação da revolução castrista para a América Latina.
Seu papel na direção do Departamento América do Partido Comunista de Cuba o tornou uma figura estratégica no apoio a movimentos insurgentes na região. Agora, o fato de que sua filha tenha sido beneficiária de fundos provenientes de uma agência americana acrescenta um tom de ironia e complexidade à história.
Pensamento econômico e modelo socialista
Piñeiro Harnecker tem sido uma das vozes mais influentes no debate sobre a evolução do socialismo cubano, como mostra seu histórico de publicações no portal Rebelión, alinhado ao regime de Havana.
Em seu livro ‘Repensando o socialismo cubano: propostas para uma economia democrática e cooperativa’, a acadêmica argumentou que a liberalização econômica não deve significar uma renúncia aos princípios socialistas, mas sim uma oportunidade para democratizar a produção por meio da autogestão e da planejamento participativo.
Para a economista, a chave do futuro do modelo cubano não está em uma abertura indiscriminada ao mercado, mas na construção de uma economia baseada em cooperativas e na participação dos trabalhadores na tomada de decisões econômicas.
Nesse sentido, a controvérsia sobre o financiamento da USAID gerou questionamentos sobre se a inclusão de Piñeiro Harnecker em projetos com apoio estadunidense representa uma contradição ideológica ou uma estratégia pragmática para acessar recursos que permitam desenvolver seus estudos sobre cooperativismo.
Implicações políticas e acadêmicas
O financiamento da USAID tem sido um tema recorrente no debate político cubano e está no centro das atenções da administração Trump.
Historicamente, o regime cubano tem rejeitado qualquer tipo de cooperação com esta agência, acusando-a de ser uma ferramenta de ingerência e desestabilização. No entanto, a participação de acadêmicos cubanos em projetos com recursos desta organização sugere uma abertura, parcial, controlada e oculta, em relação à cooperação internacional em áreas específicas.
O caso de Piñeiro Harnecker evidencia as complexidades e contradições dentro do debate sobre o socialismo em Cuba. Seu trabalho representa uma das linhas mais reformistas dentro do oficialismo cubano, ao propor um modelo baseado na autogestão e na descentralização econômica, sem abandonar os princípios socialistas fundamentais.
Enquanto isso, a revelação de sua conexão com fundos provenientes de uma agência americana abriu um novo capítulo na intrahistória das relações entre Cuba e Estados Unidos.
Privatização de cooperativas e seu impacto no modelo econômico cubano
Em uma análise publicada em 2023, Piñeiro Harnecker denunciou a reconversão das cooperativas cubanas em mipymes privadas como um problema grave e de urgência imediata.
Segundo a especialista, esse fenômeno não apenas enfraquece a economia cooperativa na ilha, mas também representa um processo de privatização disfarçada que poderia gerar um aumento do desemprego e da desigualdade econômica.
Piñeiro Harnecker argumentou que a conversão de cooperativas bem-sucedidas em empresas privadas respondia a lacunas legais e à falta de uma Lei Geral de Cooperativas em Cuba. Essa lacuna jurídica permitiu que interesses privados se apoderassem de meios de produção coletivos, deixando os trabalhadores cooperativistas sem proteção.
Além disso, alertou que se o governo cubano não tomasse medidas para frear essa tendência, muitas cooperativas poderiam ser absorvidas por atores privados, consolidando um modelo econômico mais desigual.
Para a economista, a solução passava pela reforma do marco legal para impedir a dissolução arbitrária de cooperativas e fortalecer seu papel na economia cubana como uma alternativa sustentável ao modelo estatal ou puramente privado.
Diretora de Área na NCBA CLUSA
Camila Piñeiro Harnecker é Diretora da Área de Fortalecimento de Cooperativas e Organizações de Produtores na NCBA CLUSA. Ela se juntou à NCBA CLUSA em junho de 2019 como especialista técnica em desenvolvimento cooperativo.
Antes disso, trabalhou como consultora em desenvolvimento cooperativo no Keystone Development Center e foi pesquisadora no Centro de Estudos Latino-Americanos e Latinos da American University, assim como na Universidade da Califórnia, Riverside.
De 2009 a 2017, foi professora, pesquisadora e consultora no Centro de Estudos da Economia Cubana da Universidade de Havana. Possui doutorado em Economia pela Universidade de Havana, um MBA na mesma instituição e um mestrado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade da Califórnia em Berkeley.
Seu trabalho tem se concentrado em cooperativas de trabalhadores, democracia econômica e na economia social e solidária. É autora de quatro livros e de vários artigos sobre esses temas.
Em junho de 2022, o jornalista cubano residente nos Estados Unidos Yosmany Mayeta Labrada confrontou Piñeiro Harnecker quando tentava desacreditar os manifestantes do 11J, oferecendo uma versão que os colocava como agressores e a Polícia como vítima.
Mayeta Labrada disse à filha de 'Barbarroja' que seu trabalho como lobista antiembargo é favorável ao regime cubano e não ao povo, e negou que o manifestante assassinado em La Güinera, Diubis Laurencio Tejeda, estivesse atacando a Polícia, como ela afirmava.
Segundo o meio independente DDC -que afirmou que Piñeiro Harnecker residia nos Estados Unidos-, a filha do famoso espião do regime cubano disse que o manifestante assassinado pelo subtenente Yoennis Pelegrín Hernández estava atacando os agentes "com um facão" para matá-los e que a oposição exagerava o acontecimento.
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