Lenda do atletismo cubano diz adeus

O lendário corredor cubano Hermes Ramírez, que faleceu em 4 de setembro em Havana, foi vice-campeão olímpico em Méxcio 1968 na corrida de 4x100 e tricampeão pan-americano nessa prova.

Hermes Ramírez cuando era atleta activo y junto a su esposa y la autora en La Habana © Archivo y Julita Osendi
Hermes Ramírez quando era atleta ativo e junto com sua esposa e a autora em Havana.Foto © Arquivo e Julita Osendi

“Quando um amigo se vai”, hino do cantautor argentino Alberto Cortez, descreve certamente a verdade que se vive quando alguém como Hermes Ramírez diz adeus. Lamentavelmente, o vice-campeão olímpico em México 68 não conseguiu desta vez com a corrida de sua existência e perdeu o último sprint… ¡não sem antes lutar!

Nascido em Guantánamo há 76 anos, Hermes pertence àquela primeira geração do campo e pista que incluía também Enrique Figuerola, Miguelina Cobián, Pablo Montes, Juan Morales e Marlene Elejalde, entre outros; aquela geração que só pensava em competir e ganhar pela bandeira sem nenhum interesse material, aquela geração sonhadora.

Hermes foi um dos meus entrevistados mais falantes e inteligentes; ele sempre tinha uma maneira agradável de dizer e fazer as coisas. Acredito que lembrar de algumas de nossas trocas, que eram mais conversas entre irmãos, o honra.

Muitas vezes conversava sobre a unidade que existia em seu tempo: “A vida muda, as situações, o ambiente que agora rodeia o esporte não é o mesmo. Nos meus tempos, para te dar um exemplo, uma vez o professor Riverí - Você se lembra dele?, o que orientou os lançadores de disco Maritza Martén e Luis Mariano Delís - me abordou para me indicar que o bloco de arranque de um dos meus corredores estava muito alto, sendo eu treinador.

“Você me entende? Um treinador de lançamentos e ele percebeu algo que eu não vi! Ele me ajudou! Éramos todos assim, uma grande família. E agora...?”

Y, por supuesto, falar com Hermes e não recordar sua preciosa vida esportiva era impossível. Como começa esta lenda do atletismo cubano nas andanças atléticas?

"É verdade que nasci em Guantánamo, mas vivia em Havana desde os quatro anos e, aos 12, quando estava bolsista em Tarará, fizeram testes LPV (já sabe, Prontos para Vencer) e na corrida de 100 metros, com tênis e na plena rua, sobre cimento, marquei 12 flat. No ano seguinte, em uma competição inter-bolsas no estádio Pedro Marrero, correndo em barro, fui segundo com 11.8, cronometragem manual, claro. O primeiro foi Duquesne, que já estava no Tecnológico; eu era uma criança. Assim competi no que seriam os primeiros Jogos Escolares Nacionais no ano de 1963. Naquela época eu estudava em Barlovento, sob a égide do prestigioso técnico José Cheo Salazar. Nos 100 metros marcava 11 flat e nos 200, 23.2.”

A partir dos primeiros Jogos Nacionais, o que aconteceu?

"Estava estudando na Secundária Básica Lazo de la Vega, antiga Ursulinas de Miramar, quando fui contatado por Rolando Gregorio Lavastida, que começou a me treinar oficialmente em 1964. Nesse período competi nos segundos Jogos Escolares e me impus novamente nos 100 e 200, e fui segundo no 4x100. E aí sobreviria um dos momentos mais amargos da minha vida."

"Enquanto o evento escolar acontecia, as eliminatórias para os Jogos Olímpicos de Tóquio estavam em andamento. Para competir, a marca mínima nos 100 metros era 10 segundos e 4 décimos, e quem te diz que eu, aos 16 anos, consegui isso junto com Manuel Montalvo."

Você pode imaginar o júbilo que me envolvia, mas -por que sempre haverá um mas?- o então presidente do INDER, José Llanusa, decidiu que minha juventude era um obstáculo e impediu minha assistência, me privou de acumular quatro Olimpíadas no meu currículo.

"No obstante, não me intimidou e em 1965 fui o melhor juvenil a nível nacional entre todos os esportes, o que me garantiu um lugar na seleção nacional, onde permaneci por 12 anos entre 1964 e 1976."

Como vemos, a vida de Hermes Ramírez é digna de ser contada e, o mais importante, que seja conhecida e respeitada por todos os que começam no atletismo cubano. Dois Centrocaribes: San Juan 66 e Panamá 70; três Jogos Pan-Americanos: Winnipeg 67, Cali 71 e México 75, assim como três Jogos Olímpicos: México 68, Münich 72 e Montreal 76, atestiguan uma impressionante marca em tempos que não existiam Campeonatos do Mundo nem Ligas do Diamante.

No México 68, Hermes igualou o então recorde olímpico do hectômetro com 10 flat nas oitavas de final, embora não tenha conseguido avançar além das semifinais devido a uma febre alta de 40 graus que o impossibilitou. No entanto, ele conseguiu correr os revezamentos e na final, com 38 segundos e 300 centésimos, Hermes Ramírez, Juan Morales, Pablo Montes e Enrique Figuerola conquistaram o terceiro lugar no pódio atrás dos Estados Unidos (38.200). Posso afirmar que o que mais agradava a Hermes era relembrar aquela corrida.

“Éramos os escapados da temporada, havíamos quebrado a marca mundial nas semifinais com 38 segundos e 75 centésimos. Fomos dirigidos pelo experiente Lázaro Betancourt, que junto a Irolán e ao polonês Porchovoski se encarregavam da tática para enfrentar o desafio: integrantes do revezamento, quem corria cada trecho, treinamento prévio...”

Éramos seis: Enrique Figuerola, Pablo Montes, Bárbaro Bandomo, Félix Urgellés, Juan Morales e eu. Na sede dos Jogos, definiu-se que o último homem seria Enrique e que na estafeta não estaria Bandomo, um forte velocista que tinha tempos excelentes de 10.2 e 10.3 e uma velocidade de 9.05 e que, segundo o critério de muitos, era a melhor opção. Ponderou-se a história, embora nunca estivéssemos frustrados.

“Frustrados não! Obtivemos uma medalha, era o objetivo, mas... poderíamos ter escalado o mais alto desse pódio. Estabelecemos um recorde nacional, 38 segundos e 40 centésimos, que esteve vigente até Barcelona 92: 24 anos!, mas poderíamos ter ganhado.”

Doze anos na seleção nacional esteve Hermes Ramírez, que deixou nesse período três registros de 10 segundos flat, em encontros realizados em Zurique 69 e Praga 71 e 72; um tempo de 20 segundos e 83 centésimos nos 200 em Varsóvia 72 e 38,40 no revezamento curto de México 68.

Uma vez afastado do esporte ativo, Hermes foi treinador e sempre teve a tristeza de perceber a deterioração da velocidade no atletismo cubano.

“A velocidade é o resultado de uma boa base de resistência geral, resistência especial. Na minha época, tínhamos que correr até 400 metros no treinamento. Lembro de um dia em que chegou Irolán e me disse, tão descontraído ele: ‘Hoje você tem 10 mil’... E eu tive que correr. Diga agora a qualquer um dos meninos que o faça, para você ver a resposta dele: ‘Você está louco!’ Assim não dá para construir uma base sólida para velocistas.”

Se nos foi Hermes Ramírez, aquele que se orgulhava de ter três filhos, quatro netos, três bisnetos e a descendência de sua querida esposa Mercedes; aquele que amou seu esporte e sempre respeitou e desejou o melhor ao atleta cubano, estivesse onde estivesse.

Tive a honra de recebê-lo em minha casa dias antes do início dos Jogos Olímpicos de Paris e, entre outras coisas, previu os três cubanos no pódio do triplo salto competindo por outras bandeiras, a pressão que poderiam sofrer os triplistas, a quase certeza de que o atletismo cubano sairia sem medalhas.

Falou sobre Mijaín López defendendo o esporte cubano e que o judô feminino, sem o professor Veitía, não alcançaria nada, assim como a queda ostensible do boxe.

Amante fiel do esporte cubano, apaixonado pelo seu atletismo, descanse em paz querido Hermes, irmão e amigo de tantos anos.

O que você acha?

COMENTAR

Arquivado em:

Julita Osendi

Graduada em Jornalismo na Universidade de Havana em 1977. Jornalista, comentarista esportiva, locutora e realizadora de mais de 80 documentários e reportagens especiais. Entre minhas coberturas jornalísticas mais relevantes estão 6 Jogos Olímpicos, 6 Campeonatos Mundiais de Atletismo, 3 Clássicos.


Você tem algo a relatar? Escreva para a CiberCuba:

editores@cibercuba.com +1 786 3965 689


Julita Osendi

Formada em Jornalismo na Universidade de Havana em 1977. Jornalista, comentarista esportiva, locutora e realizadora de mais de 80 documentários e reportagens especiais. Entre minhas coberturas jornalísticas mais relevantes estão 6 Jogos Olímpicos, 6 Campeonatos Mundiais de Atletismo, 3 Clássicos.