Numa nova abordagem destinada a manter um controlo rigoroso sobre a população, o regime cubano recorreu ao crime de desobediência para ameaçar os cidadãos que, com o antigo código penal, eram perseguidos por "perigosidade social predelitiva", utilizando o enquadramento jurídico em vigor para justificar medidas punitivas contra aqueles que não se alinham com as diretrizes do Estado.
Num artigo publicado no órgão oficial do Partido Comunista (o único legal em Cuba), o chefe da Direção de Organização, Planeamento e Informação do Tribunal Supremo Popular, Yoel Izquierdo Castro, defendeu a perseguição das pessoas sem vínculos laborais ou académicos que ignoram os avisos das autoridades de prevenção e assistência social.
Citando a Constituição cubana, cujo espírito excludente fica evidente em um texto que declara o socialismo como única ideologia legal, legitimando o uso da violência contra aqueles que se manifestem contra essa arbitrariedade, o juiz Izquierdo Castro saiu em defesa da aplicação das leis que emana da Carta Magna do regime para levar adiante uma política repressiva de "mão dura".
As potenciais vítimas da abordagem do opressor de "colarinho branco" seriam os cidadãos desvinculados dos estudos e do emprego, e que não possuem renda econômica considerada "lícita" pelo regime cubano.
Segundo Izquierdo Castro, "a existência de um considerável número de pessoas com capacidade física e mental, desvinculadas do estudo e do trabalho, e que não possuem renda financeira lícita que garanta sua solvência econômica, constitui uma das causas e condições que propiciam as manifestações de corrupção, ilegalidades e indisciplinas sociais, atualmente presentes em nossa sociedade".
Atualmente, "em cumprimento das missões estabelecidas no Acordo 9151 de 2021 do Conselho de Ministros", esses cidadãos (anteriormente considerados "elementos antissociais") estão sujeitos a "atenção" por parte do Ministério do Interior (MININT) e outras autoridades.
Através do Chefe de Setor da Polícia Nacional Revolucionária, e com a participação das organizações sociais e de massas, [o MININT] propõe, organiza e aplica medidas profiláticas, preventivas, jurídicas e operativas na demarcação territorial a seu cargo, com as pessoas desvinculadas do trabalho ou dos estudos, a fim de favorecer a diminuição das manifestações de corrupção, ilegalidades e indisciplinas sociais.
Se incluem nessa categoria "outras condutas prejudiciais, como o exercício da prostituição e outras incompatíveis com o clima de ordem, legalidade e tranquilidade cidadã que deve prevalecer na sociedade cubana".
Em consequência, a pessoa que repetidamente desobedecer ou não cumprir as medidas que lhe foram legalmente impostas pelas autoridades competentes, ou os avisos feitos como consequência da não observância das adotadas pelo órgão ou entidade responsável pela prevenção social incorrerá no crime de desobediência previsto no Artigo 189, parágrafo 3, da Lei No. 151 de 2022, Código Penal", afirmou Izquierdo Castro.
O crime de desobediência contempla "sanções de privação de liberdade de seis meses a dois anos, ou multa de duzentas a quinhentas cotas, ou ambas", esclareceu o juiz.
Novo mecanismo para uma antiga ameaça do regime totalitário.
Com a aprovação em maio de 2022 do novo Código Penal, desapareceu a figura da "periculosidade social predelitiva", que vinha se arrastando desde o Código de Defesa Social, aprovado em 1936 e em vigor de 1938 a 1979, constituindo uma das instituições mais odiosas do Direito Penal cubano.
Apresentada nas revisões periódicas do Conselho de Direitos Humanos da ONU como "um dos principais instrumentos de repressão e aprisionamento contra jovens e dissidentes", os juristas a serviço do regime totalitário cubano manobraram para fazer desaparecer a figura da "periculosidade social pré-delinquente", mas deixando sua sombra.
Em opinião compartilhada com o CiberCuba, o advogado e jornalista cubano Arnaldo M. Fernández considerou que, com o novo Código Penal, os termos para definir a "periculosidade" ficam tão abertos à interpretação que a norma jurídica está totalmente sujeita à discrição dos funcionários encarregados de aplicá-la.
“Conforme demonstrado pela prática judicial, o índice de conduta antissocial se tornou um coringa para reprimir opositores e descontentes, dissidentes e ativistas dos direitos humanos, contra os quais o Estado totalitário não podia direcionar a imputação de um certo delito”, afirmou Fernández em sua análise.
Como conclusão, o especialista apontou que "o Estado totalitário é, por essência, repressivo. Portanto, revogar a periculosidade predelitiva na ordem penal não significa que a ordem política ditatorial deixe de lado a noção tão conveniente de sujeito antissocial" e alertou sobre novas manobras do aparato judiciário do regime para "manter vivo o espírito de repressão" que o caracteriza.
Nesta segunda-feira, em Granma, o juiz Yoel Izquierdo Castro atuou como porta-voz do regime comunista totalitário para coagir mais uma vez a população cubana que não está "integrada" e sob controle em sua estrutura de trabalho e estudos, ameaçando aplicar o crime de "desobediência" caso não atendam às advertências das autoridades.
De acordo com a plataforma Represores Cubanos, Izquierdo Castro foi um dos juízes que condenaram de 5 a 20 anos de prisão a 20 manifestantes pacíficos do 11 de julho em Holguín, incluídos no Processo Preliminar nº 11 de 2021. Outros juízes participantes foram Alina de Fátima Santana Echerri, Ileana Julia Gómez Guerra, Bertha Doimeadiós Martínez e Isnelda Pino Gutiérrez.
Porque agora?
Há exatamente um mês, o regime cubano lembrou aos cubanos as consequências que enfrentam se decidirem "desrespeitar os funcionários públicos".
Num texto também publicado no Granma, intitulado: "Protección contra a falta de respeito aos funcionários públicos, à autoridade, seus agentes ou auxiliares", a juíza do Supremo Tribunal, Yanelis Ponce Téllez, recorreu a vários artigos da Constituição cubana que regulam o comportamento dos cidadãos perante os funcionários públicos, para definir o conceito de "falta de respeito", evidenciando a discrição com que as autoridades podem interpretá-lo.
Para isso, recorreu à Lei nº 151 de 2022 (Lei do Código Penal), um instrumento que legitima ainda mais a repressão do regime contra opositores, jornalistas, meios de comunicação independentes e a sociedade civil da ilha, além de silenciar as vozes opositoras que se ergam de qualquer lugar do país.
Dias antes da sua publicação, a conta X do MININT avisava que esperavam protestos em Cuba neste verão, e culpava o governo dos Estados Unidos, e políticos desse país, por estarem incitando a desordem pública na ilha em meio à crise atual.
Os Estados Unidos estão lançando novas tentativas de "aquecer" as ruas durante o verão, aproveitando a situação complexa que o país está passando, de acordo com os interesses mais recentes de suas agências de inteligência para gerar ataques contra Cuba, naquilo que eles chamam de Operação 11.7.24", disse o Minint na rede social X.
A grave crise socioeconômica que o país atravessa começa a deixar expressões públicas visíveis de descontentamento em Cuba, diante das quais o regime se prepara para reprimir possíveis manifestações de protesto. Artigos como os publicados no órgão oficial do Partido Comunista de Cuba constituem um aviso ameaçador à sociedade civil cubana.
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