Sacerdote Alberto Reyes após protestos em Cuba: "Este povo há anos diz que quer uma mudança"



Para o regime, os protestos são apenas uma "expressão pontual de desconforto protagonizada por 'quatro gatos' incomodados por 'apenas' 17 horas sem eletricidade".

Sacerdote cubano Alberto ReyesFoto © Facebook / Alberto Reyes

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O sacerdote católico Alberto Reyes Pías lançou uma nova e contundente reflexão sobre a situação de Cuba, na qual questiona abertamente a resposta do Governo diante das recentes protestas populares.

Em uma publicação divulgada no Facebook, Reyes afirma que, juntamente com a repressão, a indiferença institucional se tornou um dos mecanismos mais persistentes do poder para enfrentar o descontentamento social.

O pároco camagüeyano, conhecido por sua postura crítica, afirma que um dos métodos do regime diante de qualquer manifestação de inconformidade é ignorá-la.

Diante dos problemas que se acumulam: o aumento dos vírus, a crise sanitária, o colapso do sistema educacional, a inflação... o Governo parece olhar para o vazio e, ao responder, recorre a evasivas e consignas.

O P. Reyes centra sua reflexão na maneira como o poder tem lidado com as últimas manifestações populares em diferentes regiões do país.

Denuncia que as manifestações foram oficialmente minimizadas, reduzidas a uma simples perturbação pontual de "quatro gatos" por causa dos apagões, e despojadas de seu verdadeiro significado político e social.

"E para finalizar o discurso evasivo oficial, a nota perfeita: 'Estamos trabalhando para dar as respostas que o povo merece'. Ou seja, voltem para suas casas, resistam, aguentem, não fiquem se queixando, porque na verdade a situação não é tão terrible e, além disso, resolveremos tudo muito em breve", criticou com ironia.

Captura de Facebook / Alberto Reyes

Para este cura, a realidade não pode ser anulada por decretos nem discursos. E a realidade cubana é clara: o povo quer uma mudança.

No fechamento de sua reflexão, lança um aviso direto: ignorar o povo não é uma solução sustentável, nem boa, nem justa, nem segura. A voz do povo continua presente, e a história demonstra que silenciá-la não elimina o problema, apenas o agrava.

A seguir, CiberCuba reproduz integralmente o texto do sacerdote Alberto Reyes:

Tenho pensado… (140) por Alberto Reyes Pías

Tenho pensado em 'ignorar' como resposta

Cada movimento social assume um estilo próprio de enfrentar as diversas situações com as quais tem que lidar. Desde os primórdios da 'Revolução', foram implementados dois mecanismos que têm sido constantes ao longo desses anos: ignorar e reprimir.

A repressão já conhecemos muito bem. Ela se ativa de maneira súbita diante de qualquer situação que ameace a estabilidade do sistema.

O outro mecanismo é a falta de resposta. Soam os alarmes populares diante do aumento dos vírus e das mortes que estão provocando; não há medicamentos, nem serviço de ambulâncias, nem médicos em muitas partes da ilha; não há professores que assumam a educação de nossos filhos, o descompasso entre os salários e o custo de vida continua crescendo de modo implacável... mas quando olhamos para o Governo, em busca de uma resposta, dá a impressão de que nos deparamos com um painel de pessoas sorridentes que olham para o infinito, para o vazio, e que quando se dignam a nos dirigir a palavra, parece que nos olham com curiosidade e nos dizem coisas como: 'Mas vocês não perceberam que a culpa de tudo é do bloqueio?', 'Mas ainda não confiam que a Revolução resolverá tudo?', 'Mas por que tanta preguiça quando aqui o que há que fazer é resistir e aguentar como verdadeiros homens e mulheres?'.

O último capítulo foram as recentes protestas populares, protestas que ocorreram em diferentes partes do país e que se multiplicam continuamente.

No entanto, resulta que essas manifestações 'não podem ser catalogadas como protestos', mas sim como 'uma expressão momentânea e muito pontual de desconforto protagonizada por quatro gatos incomodados por 'apenas' 17 horas sem energia'.

Além disso, ninguém parece ter percebido que a grande maioria das pessoas que foi às ruas não estava protestando contra a situação atual, mas eram pessoas que saíram "para apoiar a Revolução" e não para questionar a situação energética ou a do país em geral. E os que protestaram não são nada mais que pessoas preguiçosas com "pouca cultura de resistência".

E para terminar o discurso evasivo oficial, a nota perfeita: 'Estamos trabalhando para dar as respostas que o povo merece'. Ou seja, voltem para suas casas, resistam, aguentem, não fiquem reclamando, porque na verdade a situação não é tão terrível e, além disso, resolveremos tudo muito em breve.

Nenhuma referência ao intenso despliegue policial, nenhuma alusão ao fato de que já fazemos mais de 60 anos construindo esse 'futuro melhor', esse país idílico, feliz e próspero, que não chega, enquanto as gerações que o esperam morrem e legam a mesma miséria a seus filhos, nem um pingo de reconhecimento da responsabilidade daqueles que nos governam por afundar cada vez mais esta ilha no nada.

Mas não esqueçamos que a realidade não é algo que geramos por decreto. A realidade é o que é, e a realidade fala. E a realidade diz que este povo está há anos dizendo que quer uma mudança, este povo está há anos indo às ruas para reivindicar seu direito à liberdade, anos expressando seu descontentamento de mil maneiras possíveis.

Este povo deixou muito claro o que quer, enquanto continua sendo, sistematicamente, ignorado, e embora até agora esse mecanismo tenha funcionado, eu alerto que não é bom, não é bom ignorar a voz do povo", conclui o post.

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