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O ministro da Economia e Planejamento, Joaquín Alonso Vázquez, explicou na televisão estatal os detalhes do novo sistema de gestão, controle e alocação de divisas, aprovado pelo Decreto-Lei 113 do Conselho de Estado. Afirmou que a medida não busca “dolarizar a economia”, mas esse discurso os cubanos já conhecem bem.
O conteúdo do decreto revela uma continuidade quase exata com as políticas do ex-ministro Alejandro Gil Fernández, recentemente julgado por corrupção e espionagem. Ambos os modelos compartilham o mesmo discurso ideológico, a mesma abordagem centralizada e os mesmos efeitos de desigualdade e controle estatal sobre as divisas.
Neste artigo, mostramos ponto por ponto como o novo Decreto-Lei 113 compartilha com a Tarefa de Ordenamento a mesma lógica de controle centralizado da moeda, segmentação de acessos e prioridade absoluta à captação e racionamento de divisas, embora agora o faça sobre uma base abertamente multimonetária.
Na prática, recicla objetivos e métodos do Ordenamento, mas adaptados a uma economia já “re‑dolarizada” de fato
Continuidade dos objetivos declarados
Ambos marcos se apresentam como peças “técnicas” para atualizar o modelo econômico, melhorar a eficiência e organizar o sistema monetário e financeiro
Tanto a Tarefa de Ordenamento quanto o novo decreto são justificados como passos necessários para “fortalecer a economia nacional” e utilizar melhor os recursos externos, embora sem renunciar ao discurso da centralidade do peso cubano
Gestão estatal e racionamento de divisas
Na Tarefa de Ordenamento, o Estado já reservava o papel de decisor sobre quem tinha acesso a divisas, por meio de controles sobre o mercado cambial oficial, o canal MLC e a alocação de insumos e importações
O Decreto-lei 113 mantém esse princípio, mas o formaliza. Agora, é criado um sistema de gestão e atribuição de divisas, onde o MEP e o BCC definem as fontes lícitas de divisa, como podem ser usadas e quem recebe ACAD ou outras autorizações para operar em moeda forte
Segmentação de circuitos econômicos
A Tarefa de Ordenamento, embora proclamasse unificação, acabou coexistindo com um circuito paralelo MLC para captar remessas e sustentar importações, o que gerou uma disparidade entre aqueles que tinham acesso a divisas e aqueles que operavam apenas em CUP
O decreto-lei consolida essa mesma dualidade. Reconhece explicitamente dois circuitos, um em CUP e outro em divisas, e articula regras específicas para os agentes que podem transacionar legalmente em moeda estrangeira dentro do país
Captação e retenção parcial de moeda
Já no Ordenamento, o design buscava “recaudar” a divisa externa para canais controlados pelo Estado (MLC, taxa de câmbio oficial, bancos), reduzindo a margem do mercado informal
O novo esquema continua essa lógica arrecadatória e, para isso, cria vias “legais” de acesso a divisas, mas simultaneamente estabelece retenções obrigatórias e um controle rigoroso de contas e movimentos em moedas estrangeiras
Continuidade do relato ideológico
Em ambos os momentos, enfatiza-se que as medidas monetárias não significam renúncia ao socialismo nem desejo de "dolarizar" a economia, mas sim instrumentos temporários para proteger interesses nacionais e organizar o sistema
Tanto o Ordenamento quanto o decreto atual são acompanhados de um relato de “temporalidade” e promessa de retorno à centralidade do CUP, sem estabelecer prazos claros nem mecanismos concretos para reverter a dependência da divisa
Quais são as diferenças entre o Decreto Lei 113 e a Tarefa de Ordenamento?
A Tarefa Ordenamento e o Decreto-Lei 113 partem do mesmo problema (escassez crônica de divisas e distorções monetárias), mas são quase o oposto um do outro.
O Ordenamento tentou recentralizar tudo no CUP e "eliminar a dolarização", enquanto o 113 assume e legaliza uma dolarização parcial seletiva para atores específicos. A seguir, as principais diferenças por eixos chave
Objetivo central
Tarefa de Ordenamento: buscava a unificação monetária e cambial, eliminando o CUC e fixando uma taxa única de 24 CUP por dólar, com o CUP como única moeda de curso legal interno
Decreto-Lei 113: não pretende unificar, mas gerir e racionar a escassez de divisas; cria um marco legal para transações internas em moedas estrangeiras (dólar, euro, etc.) e define quem pode utilizá-las e como
2. Arquitetura monetária resultante
Tarefa de Ordenamento: desenhou um esquema de “uma única moeda” no plano formal (CUP), embora na prática tenham sobrevivido circuitos em MLC e um mercado informal forte
Decreto-Lei 113: consolida explicitamente um sistema multimoeda, com dois circuitos: um em CUP e outro em divisas para atores autorizados; já não é um "erro" do modelo, mas sim seu design
Alcance sobre a população
Tarefa de Ordenamento: afetou de maneira direta toda a população (salários, pensões, tarifas, subsídios, preços regulados), com um redesenho geral de receitas e despesas em CUP
Decreto-Lei 113: centra-se em atores econômicos (empresas estatais, estrangeiras e privadas, Mipymes, TCP, projetos locais, investimento estrangeiro), deixando o cidadão comum em CUP, a menos que participe desses circuitos ou receba divisas
4. Tratamento da dolarização
Tarefa de Ordenamento: proclamou a eliminação da dolarização interna, transferindo todas as transações formais para pesos cubanos e apresentando as operações em MLC como excepcionais e "temporárias".
Decreto-Lei 113: reconhece que a economia está parcialmente dolarizada e cria a proteção jurídica para essa coexistência; falar em “prazo temporal” é mais uma declaração política do que um objetivo operacional concreto
5. Instrumentos e mecanismos
Tarefa de Ordenamento: sua caixa de ferramentas foi a taxa de câmbio única, a eliminação do CUC, a reforma salarial e de aposentadorias, a retirada de subsídios e a reestruturação dos preços relativos
Decreto-Lei 113: introduz instrumentos financeiros e administrativos específicos: contas em divisas reguladas pelo BCC, esquemas de autofinanciamento em moeda forte, Atribuições de Capacidade de Acesso à Divisa (ACAD) e normas detalhadas para recebimentos e pagamentos em divisas
6. Lógica de acesso à moeda
Tarefa de Ordenamento: o enfoque estava em um tipo de câmbio “sinal” (24x1) e em canalizar divisas pelo sistema bancário e pelo canal MLC, mas sem um regime tão explícito sobre quem poderia utilizá-las internamente
Decreto-Lei 113: define com precisão quais setores e operações podem usar moeda estrangeira, quais são as fontes "lícitas" de acesso (exportações, comércio eletrônico exterior, ZEDM, doações, financiamentos, compra no mercado oficial, etc.) e sob quais condições parte desses fundos é atribuída ou retida
7. Relação com o mercado cambial
Tarefa de Ordenamento: vinculou a reforma à criação de um mercado cambial formal com a taxa de 24 CUP, que ficou desbordado pela inflação e pelo mercado informal
Decreto-Lei 113: apresenta-se como parte do "Programa de Estabilização Macroeconômica" e do relançamento do mercado cambial, preparando futuras transformações na taxa de câmbio e na relação entre CUP e moeda estrangeira
8. Lugar do cidadão e do CUP
Tarefa de Ordenação: colocava o cidadão no centro da narrativa (salários, cesta, subsídios), embora na prática tenha erosionado o poder de compra dos rendimentos em CUP
Decreto-Lei 113: coloca no centro o Estado e os atores econômicos com capacidade de gerar ou manejar divisas; o cidadão "comum" fica na periferia, dependendo de conseguir se conectar a esses fluxos de moeda forte
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