Amarilis, a menina cubana que desapareceu há 46 anos e nunca foi encontrada



O trágico acontecimento remonta ao longínquo mês de abril de 1979.


El 14 de abril de 1979, no pacato povoado de Banes, Holguín, uma menina de 9 anos chamada Amarilis Muñiz Navarrete saiu para buscar pão... e jamais voltou.

Aquele trajeto curto -menos de 100 metros desde sua casa- se tornou um abismo que, mais de quatro décadas depois, continua aberto.

Sua desaparecimento não apenas marcou o destino de uma família profundamente unida, mas se tornou um emblema doloroso do silêncio institucional diante da violência que historicamente afeta mulheres e meninas em Cuba.

Uma tarde comum que terminou em tragédia

Aquele sábado de abril, a cotidianidade reinava na casa dos Muñiz Navarrete.

Mayda, uma das irmãs, aguardava para tomar banho; Margarita, grávida de oito meses, descansava em uma cadeira de balanço.

Nada fazia presagiar que Amarilis, ao sair com suas amigas Rosita e outras duas meninas para buscar pão com a ficha de racionamento, nunca mais voltaria.

As amigas voltaram para casa sem ela.

Não souberam explicar onde ela havia ficado, se desviou do caminho, se alguém a levou.

Ninguém na rua, ninguém na padaria, ninguém na vizinhança -onde todos se conheciam- a viu. Simplesmente, ela desapareceu.

"Um dia como hoje, 14 de abril, roubaram de nosso lar minha irmã mais nova, Amarilis. Vivíamos em Banes, Holguín, Cuba. Ainda não sabemos o que aconteceu, onde ela está? Quem foi o monstro que fez isso?", escreveu sua irmã em uma publicação no Facebook em 2019, lembrando desse dia com uma ferida ainda aberta.

Fonte: Captura de Facebook/Muniza Maydelin

Uma busca sem trégua nem respostas

Desde o primeiro momento, a família se lançou em sua busca. Vizinhos, amigos, até mesmo pessoas de localidades próximas se uniram em uma busca frenética.

O apagão que caiu sobre Banes naquela tarde às 18h30 não deteve a esperança, mas sim somou escuridão literal e simbólica à tragédia.

Nos dias seguintes, foram rastreados campos, margens do rio e áreas montanhosas.

Foram distribuídas fotos em toda Cuba. A desesperação era total.

"Buscaram além do bairro, indagaram com as meninas que voltaram, foram além do rio e o registraram em toda a sua extensão, no povo, e nada: nem sinal da menina", relata um recente artigo de Mônica Olivera publicado pelo Observatório de Gênero Alas Tensas.

Enquanto isso, Margarita, a irmã grávida, entrou em trabalho de parto prematuro naquela mesma noite.

Deu à luz um menino, cujo nascimento ficou eternamente ligado ao momento mais devastador de suas vidas.

Silêncio oficial e indiferença institucional

A Polícia Nacional Revolucionária emitiu uma nota solicitando ajuda para localizar a menor.

No entanto, nunca implementou um protocolo de busca real, e muito menos eficaz.

A família foi considerada "desafecta" por suas ideias políticas, e isso pareceu ser suficiente para que o aparato institucional abandonasse qualquer compromisso com a verdade ou a justiça.

“O caso foi encerrado por falta de evidências”, disseram a eles.

A FMC (Federação de Mulheres Cubanas), supostamente responsável por proteger os direitos das mulheres e meninas, nunca acompanhou a família, nem mesmo com uma palavra de conforto.

A família procurou por conta própria, chegando até a recorrer a espiritistas, videntes e curandeiras. Nada.

A dor sem corpo nem sepultura

Décadas depois, as memórias são tão vívidas quanto naquele primeiro dia. Não há túmulo onde levar flores. Não há certeza. E sem corpo, não há luto. A ausência física é uma forma cruel de violência que impede o fechamento do ciclo emocional. É uma ferida sem bordas.

“Entre céu e terra não há nada oculto. Algum dia se saberá e haverá justiça”, comentava uma vizinha na postagem de 2019.

A lembrança não se limita à família. Toda uma comunidade continua marcada.

“O povo de Banes ficou paralisado; todos estávamos na rua”, escreveu outro testemunha daquele dia.

“Minha filha tinha quase 4 anos e ficou traumatizada por muito tempo,” compartilhou uma mãe.

A desaparecimento de Amarilis quebrou a paz coletiva de uma pequena cidade, onde ninguém imaginava que algo assim pudesse acontecer. Mas aconteceu.

Pistas falsas e esperanças rompidas

Com o passar dos anos, surgiram episódios que renovaram a esperança -e também o sofrimento- da família.

Um padeiro moribundo, em estado de delírio, disse saber onde estava o corpo da menina.

Os familiares excavaram no local indicado. Não encontraram nada. O homem morreu dias depois.

Outra chamada, décadas mais tarde, assegurou que Amarilis havia retornado com um grupo de alemães e estava hospedada no hotel Pasacaballos.

A família se deslocou até lá. Nada. Mais uma vez, fumaça.

Uma biografia truncada

Amarilis completaria 55 anos no próximo dia 21 de novembro. Sua história ficou parada aos nove.

A cada aniversário, sua família se reúne para orar, cantar louvores e renovar a esperança.

Na era digital, tentaram ir mais longe com sua busca. Mas os resultados continuam os mesmos: nenhum.

A outra face do país ‘perfeito’

O caso de Amarilis evidencia uma verdade que a narrativa oficial cubana tenta esconder: a violência contra as mulheres e meninas existe, e sempre existiu, com ou sem neoliberalismo, com ou sem a crise atual.

Isso é evidenciado pela impunidade com que o caso foi encerrado, a falta de protocolos, a inação das instituições e o silêncio da mídia. Tudo isso também é violência.

"La desaparecimento físico é tipificado dentro dos casos de violência contra as mulheres... quando nunca se encontra a resposta de onde pode ter ido parar o corpinho frágil e terno de uma menina, mesmo que décadas se passem, a dor e o trauma perduram", destaca o texto de Alas Tensas.

Falar do caso de Amarilis não é apenas reviver um passado trágico. É visibilizar que a justiça ainda não chegou, e é, acima de tudo, lembrar que enquanto uma desaparecimento não for resolvido, uma ferida permanece em aberto.

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