Uma cubana que participou do desfile do Primeiro de Maio na cidade de Matanzas afirmou que marchar a fez sentir-se "super bem", não por motivos políticos ou sindicais, mas porque foi uma forma de se distrair das dificuldades diárias.
“Vejo que as pessoas não estão pensando em seus problemas, estão pensando no trabalho que estão fazendo, no que o país está fazendo por nós”, comentou durante uma entrevista transmitida pelo canal oficial TV Yumurí.
Segundo seu testemunho, o ambiente em Matanzas foi festivo e emocional. “Eu fui com um grupo de jovens e havia um que se levantou bem alto e disse: ‘Eu desfilo porque quero, porque este é meu país, esta é minha Cuba!’. Isso te enche de júbilo, de alegria, de ver como meu povo, independentemente de todas as deficiências e dificuldades, segue em frente. Porque, olha, ¡somos Cuba!”.
Estas declarações foram celebradas pelos meios estatais como um exemplo de patriotismo e compromisso, mas também levantaram questionamentos sobre o verdadeiro sentido da mobilização. Para muitos, o entusiasmo demonstrado não é um reflexo do sentimento majoritário, mas sim uma resposta aprendida em um contexto de controle ideológico, medo de ser apontado ou simples evasão emocional.
Outra participante reforçou o discurso oficial ao afirmar que a marcha foi uma demonstração de resistência frente às sanções americanas. “Este ano, mais uma vez, o povo matancero deu uma resposta contundente ao bloqueio que temos em nosso país”, declarou.
Este tipo de argumentação se inscreve na narrativa promovida pelo regime, que atribui a maioria das dificuldades internas ao embargo econômico. No entanto, essa explicação não convence uma parte crescente da população, que percebe o Estado como o principal responsável pela má gestão, pelo estagnação econômica e pela repressão política.
A ideia de que marchar “responde ao bloqueio” transforma o desfile em uma performance política. Em uma sociedade onde há pouco espaço para discordar publicamente sem consequências, essa “resposta contundente” é vista como uma cena dirigida de cima para baixo, mais do que uma postura popular genuína.
Em sintonia com essa visão, Jorge Luis Broche Lorenzo, membro do Secretariado e chefe do Departamento Econômico Produtivo do Comitê Central do Partido Comunista, insistiu que a assistência maciça à marcha foi completamente espontânea.
“Desenvolver e ver expressões de tanta alegria e de tanta paixão, que saem do coração das pessoas, isso fala por si só. Que obrigação pode haver de um povo nisso? Dizem que não vão à marcha, isso está em nosso sangue, isso está em nossos corações!”.
Broche argumentou que a participação é uma “atitude consciente”, mesmo em meio às carências materiais. “Isso vem para expressar o que sentimos, cada um independentemente das dificuldades que temos que enfrentar”, afirmou.
Este discurso, que remete à épica da resistência e ao sacrifício voluntário, busca manter viva a narrativa de um povo unido em torno do socialismo. No entanto, pode-se observar como uma tentativa de disfarçar uma realidade cada vez mais insustentável sob uma retórica triunfalista.
O desfile do Primeiro de Maio, tradicionalmente uma vitrine propagandística do regime cubano, deixou de ser, para muitos, uma celebração do trabalho, tornando-se um ritual obrigatório. Embora alguns participantes vivam isso com um entusiasmo sincero, outros comparecem por inércia, pressão institucional ou simplesmente para evitar problemas. A exaltação oficial da alegria e do júbilo contrasta com os testemunhos cotidianos de frustração, carências e saturação.
Como há vários anos, o desfile ocorreu em meio a uma severa crise econômica, marcada por apagões prolongados, escassez de alimentos e transporte colapsado.
O governo organizou o transporte em massa de trabalhadores e estudantes para garantir a presença no ato político, apesar da falta de combustível que afeta o transporte público. Recusar-se a participar pode implicar em represálias em locais de trabalho ou nas instituições de ensino.
Enquanto a televisão estatal mostrava imagens de bandeiras tremulando e coreografias ensaiadas, milhares de usuários nas redes sociais denunciavam a desconexão entre o discurso oficial e a dura vida cotidiana. “O único que se respira em Cuba é apagão”, comentou um internauta diante da publicação do mandatário.
Perguntas Frequentes sobre o Desfile do Primeiro de Maio em Cuba e o Descontentamento Social
Por que o desfile do Primeiro de Maio em Cuba gera tanto descontentamento?
O desfile do Primeiro de Maio em Cuba é percebido mais como uma demonstração de propaganda política do que como uma celebração genuína dos trabalhadores. Apesar da grave crise econômica que o país enfrenta, o governo destina recursos a essas marchas, o que gera rejeição numa população que enfrenta apagões, escassez de alimentos e falta de serviços básicos.
Qual é a razão por trás da assistência maciça às marchas em Cuba?
A assistência maciça às marchas do Primeiro de Maio em Cuba se deve em grande parte a pressão institucional e ao medo de represálias trabalhistas. Muitos trabalhadores e estudantes são obrigados a participar para evitar sanções, perda de benefícios ou advertências em seus locais de trabalho e instituições de ensino.
Como a crise econômica e energética atual afeta os cubanos?
A crise econômica e energética em Cuba levou a apagos prolongados, escassez de alimentos e um colapso dos serviços básicos. Essas condições intensificaram o descontentamento social e o desejo de muitos cubanos de emigrar em busca de melhores oportunidades, refletindo uma profunda desesperança e frustração.
O que a comunidade internacional pensa sobre as marchas em Cuba?
A comunidade internacional observa com ceticismo e crítica as marchas em Cuba, considerando-as estratégias de propaganda que não abordam os problemas estruturais do país. As marchas são vistas como uma tática do governo para desviar a atenção da crise interna e projetar uma imagem de unidade que não corresponde à realidade.
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