Jefa de Prensa de Díaz-Canel responde a Silvio e defende a presença de milionários no Festival del Habano

O luxuoso evento celebrado no Capitólio, sede da soberania popular, provocou críticas do cantautor sobre a perda de dignidade nacional. Leticia Martínez defendeu o governo de Díaz-Canel e criticou as palavras do trovador.

Leticia Martínez Hernández e Silvio RodríguezFoto © Facebook / Leticia Martínez Hernández - Granma / Ricardo López Hevia

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A recente celebração do Festival do Habano em Cuba gerou uma controvérsia inesperada desencadeada pelo cantautor Silvio Rodríguez, que criticou o que considera uma "desaparecimento gradual do sentido de dignidade nacional".

Em um texto intitulado “Outro ojalá”, publicado em 2 de março de 2025, Rodríguez expressou sua preocupação com a direção que o governo e a sociedade cubana têm tomado nos últimos tempos, e demonstrou sua consternação diante da perda da "dignidade nacional".

"Diferentes sinais sugerem que está ocorrendo uma espécie de desaparecimento gradual do sentido de dignidade nacional", afirmou o trovador, lamentando a "involução" do país e citando exemplos como a trivialização da memória histórica e a falta de respeito pelos valores tradicionais cubanos, personificados no Capitólio, na estátua da República e na tumba do Mambí Desconhecido.

O texto de Silvio, conhecido por sua afinidade histórica com o projeto revolucionário, gerou uma forte reação nas redes e em círculos oficiais.

A resposta de Leticia Martínez em defesa do governo e do Festival do Habano

Leticia Martínez Hernández, chefe de comunicação do governante cubano Miguel Díaz-Canel, respondeu com um texto no qual defendeu a “dignidade nacional” que considerou colocada em questão pelo trovador. Além disso, justificou a presença de milionários no Festival do Habano com a retórica típica da propaganda do regime.

Entre seus argumentos, destacou conquistas como o desenvolvimento de supostos medicamentos inovadores, a resposta do país à pandemia de COVID-19, a entrega dos atletas cubanos e a assistência médica em áreas rurais. O texto de Martínez Hernández foi publicado para seus amigos no Facebook.

"Temos muito a consertar, um mar, mas a dignidade nacional é outra coisa", escreveu Martínez Hernández, que também citou versos de uma das canções de Silvio (El Necio) para reforçar seu argumento: "Se hoje estamos como estamos, com a corda no pescoço e ainda respirando, é porque um dia acreditamos nisso de 'a teimosia de assumir o inimigo, a teimosia de viver sem ter preço'".

Reações de simpatizantes da "revolução" desencantados com a "continuidade"

O post de Martínez também provocou reações de cubanos alinhados com a chamada “revolução” que, no entanto, manifestaram seu crescente desencanto com o governo da “continuidade” que “lidera” Díaz-Canel.

Um exemplo disso é Manuel David Orrio del Rosario, exagente da Segurança do Estado e jornalista, que publicou em Kaosenlared uma resposta detalhada na qual desmantelou e questionou os argumentos de Martínez.

Orrio apontou, por exemplo, que a taxa de mortalidade infantil em Cuba aumentou nos últimos anos, contradizendo a narrativa oficial de que o sistema de saúde cubano é um modelo de sucesso. Em sua extensa análise, também criticou a falta de transparência na divulgação de estatísticas sobre a evolução da criminalidade em Cuba, a escassez de medicamentos essenciais na ilha e a crise no sistema educacional.

No outro extremo dessa tensão entre "setores desencantados" e fiéis partidários do governante e primeiro secretário do Partido Comunista, situam-se personagens como Francisco Rodríguez Cruz, conhecido como "Paquito de Cuba", que em ocasiões anteriores não hesitou em "abrir fogo" contra o cantautor.

O amigo pessoal da esposa de Díaz-Canel, a funcionária de Cultura e "não primeira dama" Lis Cuesta Peraza, chegou a afirmar que as últimas canções de Silvio Rodríguez estão “obsoletas, musical e poeticamente”.

O Festival do Habano e a crise econômica em Cuba

O Festival del Habano, que acontece anualmente em Havana, é um dos eventos mais importantes para a indústria do tabaco premium, atraindo empresários e celebridades de todo o mundo.

No entanto, a presença de magnatas e compradores estrangeiros em meio a uma crise econômica sem precedentes gera desconforto entre setores que consideram contraditório promover o luxo enquanto a população cubana enfrenta sérias dificuldades para adquirir bens de primeira necessidade.

Marino Murillo Jorge, ex-chefe da reforma econômica em Cuba e atual presidente da Tabacuba, também tem sido criticado por sua participação no evento. O poderoso dirigente, considerado o arquiteto do fracassado "ordenamento monetário", agora está à frente da empresa tabacalera cubana, o que tem sido visto como uma afronta pela população que sofre as consequências da crise econômica.

A "dignidade nacional" e a corrente do macaco

As palavras de Silvio Rodríguez refletem o desencanto de uma parte da intelectualidade cubana que, embora em algum momento tenha apoiado o chamado "processo revolucionário", hoje observa com preocupação o rumo do país.

O fato de que setores do oficialismo se enredem em uma discussão sobre a perda ou ganho de "dignidade nacional" lembra a piada de "brincar com a corrente, mas não tocar no macaco".

O regime totalitário cubano impôs uma ditadura militar de partido único, destruiu a democracia, a sociedade civil, o tecido econômico e a riqueza da nação.

Além disso, dividiu os cubanos, forçou muitos ao exílio ou submeteu-os por meio do terror e, há mais de 60 anos, viola sistematicamente os direitos humanos dos cidadãos. É um regime que não possui legitimidade, que vendeu a soberania nacional e que usa o terror para perpetuar-se no poder.

Enquanto setores críticos veem na "continuidade" uma mudança de rumo do projeto original da chamada "revolução cubana", uma grande maioria de cubanos acredita e sente que o futuro de Cuba passa por uma revisão crítica da história e uma mudança de regime que, acordada ou abrupta, devolva o país à tradição e aos valores republicanos que lhe permitam prosperar e conviver em paz em um Estado de Direito.

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Iván León

Licenciado em jornalismo. Mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática de Madri. Mestrado em Relações Internacionais e Integração Europeia pela UAB.