O camponês Delio Ramírez Rosales usou suas redes sociais para denunciar a má alimentação que sofrem os cubanos e deu como exemplo o prato de comida que “degustou” nesta quarta-feira e pelo qual agradeceu a Deus.
A raspa de arroz, esse arroz queimado do fundo da panela (do qual muitos cubanos famintos nos tornamos aficionados), foi o “manjar que degustou” Ramírez Rosales antes de ir para a cama cedo para amanhecer novamente no sulco.
“Eu trabalho como um animal do sol ao sol, e às vezes me vejo em situações difíceis. Hoje tive que comer somente a casca do arroz. Quis acompanhá-la com água com açúcar e, quando fui ver, não tinha açúcar... E agradeci a Deus pela casca”, disse o camponês no Facebook.
Como ele, são centenas de milhares os cubanos que padecem “insegurança alimentar”, um eufemismo das organizações internacionais para evitar palavras como “fome” ou “fome severa”, desgastadas pelo uso de um léxico que descreve os problemas e a miséria dos países pobres.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), uma pessoa sofre de insegurança alimentar quando não tem acesso regular a alimentos suficientes, seguros e nutritivos para um crescimento e desenvolvimento normais, assim como para levar uma vida ativa e saudável. Isso pode ser devido à falta de disponibilidade de alimentos e/ou à falta de recursos para adquiri-los.
“Os camponeses cubanos merecemos reconhecimento e respeito, já que nos tornamos magos para poder produzir”, disse em julho de 2022 Ramírez Rosales, denunciando o atropelo que cometiam as autoridades estaduais por meio da empresa agropecuária de Ciego de Ávila.
Naquele tempo, o produtor agrícola reclamou do abuso, da desorganização e dos obstáculos que sofria no processo de compra e venda de raízes com o Estado, que pretendia fazê-lo pagar pelo combustível que a Acopio utilizava para coletar sua produção de mandioca, a qual vendia a 250 pesos cubanos o quintal (100 quilos), ou seja, a um peso a libra do tubérculo, que naquelas datas chegava a ser vendido até a 20 pesos.
A insegurança alimentar que padece Ramírez Rosales e outros como ele se deve a isso precisamente: ao fato de que o Estado comete um abuso com os agricultores e pecuaristas que repercute em seus bolsos (ou recursos para obter alimentos), motivo pelo qual a produção/disponibilidade de alimentos é afetada.
No entanto, para o presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular do regime, Estaban Lazo Hernández, o problema da insegurança alimentar que os cubanos enfrentam está no fato de que “perdemos o valor da laboriosidade”.
Assim, tão à vontade, ele soltou isso durante uma visita que fez em meados de março a Sancti Spíritus. Lá também disse pérolas como esta: “Nos acostumamos todos a dizer: e isso quando chega? E isso quando vem? E isso quando me dão? E o socialismo é bom porque não se explora o homem pelo homem, mas, para ter, é preciso trabalhar.”
Segundo a argumentação de Lazo, Ramírez Rosales deveria estar agradecido, não a Deus, mas à chamada "revolução", que é a que “lhe dá” a raspa do arroz que come. Sem falar que o camponês tem e utiliza Facebook, e “quem diria que aqui no campo haveria gente com celulares?”.
"Samuel, o que você está comendo? Isso é raspa?", perguntou o humorista Limay Blanco a um menino durante uma videochamada que fez em junho de 2023 para sua família, a quem havia entregue um refrigerador, e durante a qual observou o pequeno Samuel comendo um pedaço de raspa de arroz.
Após cortar a chamada para que não o vissem chorando, Limay explicou em outra live que teve que encerrar sua ligação com a família, porque a cena "me partiu ao meio".
“Samuelito desayunando raspa”, disse o humorista com lágrimas nos olhos. “Eu sei que não vou conseguir consertar o mundo, mas caramba…! E eu tenho que ficar calado. Hoje não posso me Expressar. E se eu levar algo agora, depois de amanhã o Samuelito continua comendo raspa”.
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