O regime cubano, através do Conselho de Ministros, publicou nesta segunda-feira o Decreto 107, no qual se estabelecem novas restrições para as micro, pequenas e médias empresas privadas (Mipymes), cooperativas não agropecuárias e trabalhadores por conta própria.
A norma, que revoga e substitui o Decreto 49 de 2021, identifica um total de 125 atividades que esses atores econômicos não estão autorizados a exercer.
Entre as atividades mais destacadas que agora ficam proibidas para o setor privado estão a fabricação de produtos farmacêuticos, a intermediação financeira, a edição e formatação de livros, a programação e transmissão de televisão, as atividades de telecomunicações, assim como diversas formas de transporte e armazenamento.
Além disso, setores tradicionalmente sensíveis como a defesa, a segurança pública e a administração de serviços sociais também estão vetados.
O Decreto 107 reflete a estratégia do regime de manter um controle centralizado sobre setores-chave da economia, mas pode ter efeitos adversos em termos de crescimento econômico, geração de emprego e bem-estar social.
Segundo o destacado economista Pedro Monreal, a normativa “confirma o cerceamento da atividade privada e do mercado como parte de medidas estatais para supostamente ‘corrigir distorções e reimpulsionar a economia’”.
“O decreto 107/2024 consiste em fazer ‘chover no molhado’, ampliando as proibições e restrições que já estavam contidas na norma anterior (Decreto 49/2021), muitas delas derivadas de um estreito raciocínio político e com questionável racionalidade econômica”, considerou o especialista.
Em sua breve análise publicada nas redes sociais, o economista destacou que “quase metade das proibições (9 de 19) se concentram em dois setores produtivos chave - agropecuário e indústria - que apresentam severas limitações em termos de capacidade de oferta e que repercutem diretamente nas carências materiais dos cidadãos”.
“47,8% das restrições estão concentradas no comércio, uma atividade que, no contexto da atual crise, tem funcionado como ‘salva-vidas’ para muitas entidades privadas registradas sob outra ‘razão social’ que não conseguiram operar de forma eficaz”, apontou Monreal.
Além disso, ressaltou que “aproximadamente outra um terço das proibições (6 de 9) são estabelecidas para atividades intensivas em capital humano e que por sua vez são decisivas para o desenvolvimento do capital humano: ensino e atividades artísticas”.
Em conclusão, o economista considerou que “as novas restrições impostas ao comércio atacadista de MIPYMES e cooperativas não agropecuárias provavelmente retirarão um ‘colete salva-vidas’ de várias entidades, mas também poderão favorecer a concentração atacadista em MIPYMES e CNAs ‘enchufadas’ estatalmente”.
A restrição de 125 atividades para os atores privados evidencia as tensões entre o controle estatal e a necessidade imperiosa de uma maior abertura econômica para enfrentar a grave crise que o país enfrenta.
A entrada em vigor deste decreto pode aumentar a incerteza entre os empreendedores cubanos, que deverão reorientar seus esforços para as poucas áreas não restritas, o que pode limitar as possibilidades de inovação, de investimento estrangeiro e nacional, e de expansão do setor privado em Cuba.
Impacto econômico e social
A implementação deste decreto representa um desafio considerável para o desenvolvimento do setor privado em Cuba, pois limita a diversificação e o crescimento de novas iniciativas econômicas em áreas estratégicas.
Em um contexto onde o setor estatal enfrenta limitações significativas, o impedimento para que os atores privados acessem esses setores poderia perpetuar a falta de competitividade, inovação e eficiência na economia cubana.
O decreto também estabelece restrições em setores que poderiam ter beneficiado diretamente o desenvolvimento local e o emprego, como a produção de meios audiovisuais, a gestão de transporte e a prestação de serviços tecnológicos.
Isso poderia resultar em uma menor oferta de serviços e produtos, o que, por sua vez, impactaria negativamente no bem-estar da população.
O endurecimento das restrições também poderia desestimular o investimento estrangeiro e a participação de cubanos na diáspora na economia nacional, limitando assim as oportunidades de financiamento e a entrada de divisas que o país tanto necessita.
Miguel Díaz-Canel: "É hora de passar à ação"
“É hora de passar à ação!”. Com esta frase, o governante cubano Miguel-Díaz Canel confirmou a mudança do regime cubano em sua política de tímida abertura econômica e ratificou sua vontade de submeter a atividade dos “novos atores econômicos” às diretrizes estatais e à planejamento centralizado da economia.
“É hora de superar os diagnósticos e passar às ações”, disse Díaz-Canel no final de julho, durante seu discurso de encerramento do terceiro período ordinário de sessões da X Legislatura da Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP).
O processo de “debate e intercâmbio” com os proprietários de micro, pequenas ou médias empresas (Mipymes) para convencê-los da necessidade de estabelecer limites de preços para produtos de primeira necessidade que o Estado não consegue vender através da cesta básica normatizada, terminou. E o resultado é mais uma demonstração da natureza repressora e coercitiva do regime totalitário cubano.
Apesar de insistir que o governo não iniciou uma “caça às bruxas” contra as Mipymes, o governante cubano enfatizou a vontade de controlar a atividade comercial dos “novos atores” que ele mesmo promoveu.
“Em relação às nossas responsabilidades no âmbito incerto e complexo da economia, é preciso reconhecer que, na ânsia de cumprir com as diretrizes da política econômica e social do VIII Congresso do Partido, ao destravar processos e impulsionar a formação de Mipymes, não foi feito o devido esforço na exigência de criar bases normativas suficientemente robustas e integradas para conduzir ao funcionamento dessa forma de gestão que já operava na economia, mas sem um reconhecimento formal”, destacou.
A falta de regulamentação das Mypimes, segundo o governante, provocou um caos na economia cubana, disparando a inflação e acentuando a desigualdade no país.
Por isso, "devemos garantir que o aprovado seja cumprido, definindo bem os objetivos, preparando melhor os executores de cada medida, propiciando o asseguramento político, comunicacional, material e financeiro, ordenando as ações com um cronograma de implementação para que não fiquem apenas no discurso. E acima de tudo, exercer o controle sobre as correções e os ajustes com o feedback necessário".
"Os controles posteriores demonstraram que muitos desses negócios não corresponderam à confiança do Estado com a honestidade e a transparência que uma sociedade minimamente organizada demanda e exige. Consequentemente, nenhum violador do fisco e da legalidade em geral pode questionar as exigências derivadas da análise dos erros e distorções do processo. Como foi dito nesses momentos, devem prevalecer a lei e a ordem se quisermos que triunfem e se fortaleçam todas as formas de gestão da economia", acrescentou.
“É hora de passar à ação” é a nova consigna do regime que está no poder há 65 anos, mas Díaz-Canel não quer assustar os novos empresários. “Quero reiterar que não há nem haverá uma caça às bruxas contra as Mipymes privadas, como alguns afirmam, manipulam ou sugerem”.
Segundo o também primeiro-secretário do Partido Comunista de Cuba (PCC), “o enfrentamento será contra o descontrole, as ilegalidades, as evasões tributárias, a especulação e a fraude, venham de onde vierem, sejam não estatais... sejam não estatais ou estatais as empresas”.
“Esta é uma batalha contra a ilegalidade e não contra as formas de propriedade e gestão”, concluiu o governante designado pelo general Raúl Castro para levar as rédeas da “continuidade” e implementar as medidas econômicas emanadas do VIII Congresso do PCC e que conduziram ao fracassado “ordenamento”.
O "passo à ação": Uma jogada anunciada do regime cubano
"Recordem que aqui todos estamos para salvar a Revolução e o socialismo", avisou Díaz-Canel no início de julho durante a reunião do Conselho de Ministros, reafirmando uma vez mais a centralidade do modelo socialista na economia de Cuba.
Em datas recentes, durante seu relatório à Comissão Econômica da ANPP, o governante cubano anunciou um plano de "ordenamento" para os setores privado e estatal, pela "maneira irresponsável" com que algumas dessas instituições se conduzem, apontou.
Nesse sentido, insistiu que não se trata de uma "caça às bruxas" contra uma forma de gestão ou propriedade específica. No entanto, o discurso oficial tem atacado Mipymes há meses, especialmente aquelas que importam produtos acabados ou não cumprem com os preços tabelados.
"Aqui o que estamos propondo é uma organização para que haja a maior quantidade de ofertas de bens e serviços a preços adequados para a população, e que todo mundo contribua com tudo o que tem a contribuir", afirmou.
De momento, o "passo à ação" resultou na revogação da licença de importação a quase um terço dos negócios privados que estavam autorizados a fazê-lo. De acordo com o primeiro-ministro Manuel Marrero Cruz, "decidiu-se fechar esta faculdade a 24 das 73 empresas aprovadas para importar, devido ao baixo nível de atividade e ao mau trabalho".
"Na análise que fizemos havia muitas barbaridades, erros...", disse Marrero Cruz dias atrás diante dos deputados da ANPP. "O documento resultante do trabalho que fez o MINCEX nos permitiu chegar à conclusão de que era necessário fechar esta faculdade a 24 empresas, por baixo nível de atividade e mal trabalho", sublinhou o primeiro-ministro, anunciando importantes mudanças nas regulações para as Mipymes e o trabalho por conta própria (TCP).
Não há uma "caça às bruxas", mas nos últimos dias o ministro de Finanças e Preços em Cuba, Vladimir Regueiro Ale, avisou os proprietários das Mipymes que era um "crime grave" ocultar a mercadoria e não vendê-la à população.
O funcionário compareceu à televisão cubana para explicar as primeiras ações de controle que o regime estabeleceu após a recente implementação da Resolução 225, onde é imposto um limite de preços a seis produtos de primeira necessidade no país.
Regueiro destacou que ocultar mercadorias e obstaculizar o comércio pode ser considerado crimes ou infrações graves.
"Estamos apercebendo e, onde identificamos esses casos, convocamos os governos municipais e os atores econômicos que são titulares", afirmou. Os donos de Mipymes são citados nas sedes governamentais para receber orientação sobre as medidas a serem seguidas em cada situação.
"Em muitos casos, tivemos que ordenar as vendas forçadas das mercadorias. Até 13 de julho, havíamos ordenado 151 ações de venda forçada de produtos", disse. Além disso, especificou que as maiores violações estão na comercialização de frango e óleo.
Em uma operação intensiva realizada entre os dias 12 e 13 de julho, o governo cubano fechou 53 negócios privados após realizar 891 inspeções em todo o país.
Marrero Cruz informou que durante essas inspeções foram detectadas mais de 4.000 violações e foram aplicadas multas que superam 13 milhões de pesos a Mipymes. Entre as principais infrações detectadas estão a ocultação de produtos em relação ao teto de preços implantado pelo governo e a venda de bens a preços não regulados.
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