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Em um sinal de fratura dentro do bloco republicano, a delegação completa do Congresso da Flórida -dominada por legisladores do Partido Republicano- enviou uma carta ao presidente Donald Trump exigindo que ele mantenha a moratória sobre as perfurações de petróleo diante das costas do estado.
O gesto constitui uma rara demonstração de oposição interna a uma política chave do mandatário, especialmente em um momento em que sua administração anunciou planos para reativar essas atividades após décadas de restrições.
Firmada pelos senadores Rick Scott e Ashley Moody, assim como pelos 28 representantes federais do estado, a carta avisa que o plano do Departamento do Interior “colocaria em risco a próspera indústria turística do estado e interromperia as operações militares em uma área de treinamento chave”.
Embora evitem criticar diretamente o presidente -cuja propriedade de Mar-a-Lago, em Palm Beach, não seria afetada pelo projeto- a carta reconhece de forma explícita o valor ambiental, econômico e estratégico das costas da Flórida.
“Em 2020, tomaram a decisão correta de utilizar a ação executiva para estender a moratória sobre o arrendamento de petróleo e gás nas costas do Golfo e no leste da Flórida até 2032, reconhecendo o incrível valor que têm as costas pristinas da Flórida para a economia, o meio ambiente e a comunidade militar do nosso estado”, escreveram.
Tanto líderes políticos quanto organizações ambientais expressaram sua preocupação em relação aos riscos que implicariam novos poços de petróleo em alto-mar, especialmente em um estado cuja economia depende em grande parte do turismo costeiro.
“Sabemos o quão vitais são nossas praias limpas para a economia e a vida dos floridanos. Farei todo o possível para mantê-las seguras”, escreveu Rick Scott, ex-governador e atual senador.
Em uma mensagem posterior, declarou sentir-se "orgulhoso de liderar toda a delegação do Congresso da Flórida ao pedir a Trump que continue com seu compromisso de manter as costas da Flórida fora da mesa para a perfuração petrolífera".
Incluso o porta-voz do governador republicano, Ron DeSantis, se juntou ao pedido, solicitando que a administração reconsidere o plano.
A pressão foi tanta que até a porta-voz do Departamento do Interior se viu obrigada a responder.
“O Departamento do Interior leva a sério toda a correspondência do Congresso e analisa cuidadosamente cada assunto”, ressaltou em um comunicado enviado por e-mail.
A nova ameaça: Perfurações a mais de 100 milhas da costa
O plano anunciado recentemente pelo secretário do Interior, Doug Burgum, prevê 34 possíveis vendas de arrendamentos petrolíferos offshore entre 2027 e 2031, incluindo duas vendas próximas à Flórida em 2029 e 2030.
Seria a primeira vez desde 1995 que se permite este tipo de atividade em águas federais diante do estado.
As perfurações seriam realizadas em uma área recentemente designada do Golfo Centro-Sul, a mais de 100 milhas da costa, em águas adjacentes a milhares de poços já ativos no Golfo do México.
A administração Trump justifica a medida como parte de sua estratégia de “dominância energética”, um plano que busca ampliar a produção nacional de combustíveis fósseis para reduzir a dependência de atores internacionais e enfrentar a volatilidade do mercado global.
Trump defendeu o plano como uma promessa cumprida: “Nossa nação voltará a ser líder mundial em energia. Ninguém fará isso melhor do que os Estados Unidos”, garantiu.
O American Petroleum Institute celebrou a decisão como um “passo histórico” para fortalecer a economia nacional e gerar empregos.
Precedente, interesses militares e apoio bipartidário
A moratória vigente até agora foi imposta pelo próprio Trump durante seu primeiro mandato, em resposta a uma rejeição semelhante dos legisladores da Flórida a planos de perfuração anteriores.
Essa medida, celebrada na época por ambos os partidos, foi vista como um triunfo do federalismo e da proteção ambiental diante dos interesses corporativos.
A zona do Golfo onde se prevêem as novas licitações também coincide com áreas de treinamento militar de alta sensibilidade.
Interferir nesses espaços pode afetar não apenas a preparação das Forças Armadas, mas também acordos logísticos chave com bases aéreas e navais no sul do estado.
"Instamos a manter sua moratória vigente e a manter as costas da Flórida fora da mesa de negociação para a concessão de petróleo e gás. A economia, o meio ambiente e a preparação militar da Flórida dependem desse compromisso", conclui a carta.
Entre o petróleo e a ecologia: o dilema americano
A decisão de reativar perfurações em águas profundas faz parte de uma política mais ampla de Trump para fortalecer a produção nacional de petróleo e gás, em detrimento das energias renováveis.
Sua administração reverteu regulamentações-chave do período Obama-Biden, bloqueou projetos de energias limpas e otorgou mais poder ao setor extrativo.
No contexto internacional, a medida também tem implicações geopolíticas. Os Estados Unidos recentemente impuseram sanções a empresas russas do setor petrolífero e pressionaram a Venezuela, reconfigurando o mapa de fornecedores de energia.
Diante desse cenário, a aposta pela autossuficiência ganha peso político, embora com altos custos ambientais.
Organizações como Oceana e Greenpeace alertaram sobre o risco de desastres ecológicos semelhantes ao derrame do Deepwater Horizon em 2010. “Este plano abre a porta para um novo desastre ecológico”, denunciaram.
Comentários públicos e o futuro do plano
O Departamento do Interior mantém aberto um período de comentários públicos até o final de janeiro, o que sugere que o plano ainda pode ser modificado.
No entanto, a inclusão de licitações específicas em águas próximas à Flórida e Califórnia acendeu alarmes em ambos os estados.
Na Flórida, onde o turismo gera mais de 100 bilhões de dólares anuais e emprega mais de um milhão de pessoas, a possibilidade de ver plataformas de petróleo no horizonte é percebida não apenas como uma ameaça ambiental, mas também como um golpe direto no coração de sua economia.
O que fica claro é que, pelo menos por enquanto, os republicanos da Flórida traçaram uma linha vermelha: não estão dispostos a sacrificar suas costas em nome da dominância energética de Trump. A pergunta é se o presidente os ouvirá.
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