Desespero em Cuba pela escassez de gás: "Estamos voltando à lenha"

A escassez de gás liquefeito em Cuba afeta milhares de famílias, obrigando-as a recorrer à lenha para cozinhar. A crise se agrava desde 2024, com medidas oficiais insuficientes e um mercado informal em alta.

Cola para comprar gás liquefeito em MatanzasFoto © Girón / Raúl Navarro González

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A crise do gás liquefeito em Cuba atinge níveis alarmantes, afetando diretamente o dia a dia de milhares de famílias que dependem desse combustível para cozinhar.

Desde há meses, os cidadãos enfrentam longas filas, incerteza e frustração devido à falta de suprimento. Redes sociais e meios locais refletem uma realidade que muitos descrevem como insustentável: “Estamos voltando à lenha”, afirmam entre indignação e resignação.

Captura de tela Facebook / Freyja Gat

“Isso é uma Odisseia!... Porque em Cuba podem faltar muitas coisas, mas o que nunca poderá faltar é a falta de respeito ao povo cubano. Assim amanhece cada sábado há mais de 5 meses o ponto de gás localizado no reparto Alex Urquiola, porque como sempre 'Não há gás'. E quando milagrosamente um dia os cilindros aparecem, são tão poucos que mal atendem ao mínimo da demanda”, queixou-se uma usuária cubana de redes sociais.

Sua denúncia, publicada no grupo de Facebook ‘Revolico Holguín. Aqui não se vendem batatas’, foi acompanhada de uma fotografia que mostrou uma multidão de clientes aguardando a venda de botijões de gás liquefeito na referida área.

Cubanos obrigados a cozinhar com lenha devido à escassez de gás

A escassez de gás liquefeito em Cuba forçou numerosas famílias a recorrer a métodos tradicionais para preparar seus alimentos. A falta de suprimentos levou a situações extremas, como a de uma mãe de trigêmeos em Santiago de Cuba, que denunciou em outubro de 2022 ter que cozinhar com lenha devido à ausência de gás e querosene.

Em Havana, uma família foi obrigada em agosto de 2023 a acender fogões de lenha no meio da rua, perto da Estação de Trens, refletindo a desesperança diante da falta de combustível para cozinhar.

A situação se agrava em províncias como Granma, onde as autoridades distribuíram em outubro lenha à população diante da escassez de carvão e gás, evidenciando a profundidade da crise energética que o país enfrenta.

Um problema que se agrava desde 2024

A escassez de gás liquefeito não é um fenômeno recente em Cuba, mas desde outubro de 2024, a situação piorou de forma notável, com um pico crítico em dezembro.

Segundo dados oficiais, províncias como Matanzas têm sido particularmente afetadas. Mais de 109.000 clientes de gás liquefeito nesta região enfrentam um fornecimento irregular, enquanto os responsáveis locais reconhecem que a demanda supera em muito a capacidade de distribuição atual.

As autoridades tentaram priorizar a entrega para aqueles que estão há mais tempo sem se abastecer, mas essa medida mal atenua a frustração de uma população que depende do gás para tarefas básicas.

O diretor da Divisão Territorial de Comercialização de Combustíveis (DTCC) em Matanzas, José Luis Lemus Gil, admitiu recentemente ao periódico oficial Girón que não há perspectivas de melhoria a curto prazo, uma vez que a escassez de cilindros e os problemas de transporte agravam a situação.

Medidas oficiais insuficientes

Diante deste panorama, foram implementadas iniciativas como o aplicativo “Mi Turno”, destinado a digitalizar e organizar as filas virtuais para a compra de gás. No entanto, essa solução não ataca o problema pela raiz: a falta de disponibilidade do produto.

Em províncias como Holguín, onde as filas matutinas são uma constante há cinco meses, os cidadãos denunciam que, quando os cilindros chegam, não são suficientes para atender nem mesmo uma fração da demanda.

Outra tentativa frustrada de aliviar a crise foi a loja virtual, que permitia aos clientes fazer pedidos de gás através da plataforma EnZona. Este serviço foi suspenso devido à escassez de cilindros e à falta do produto.

A interrupção da atividade dos mensageiros, responsáveis por entregar pedidos a pessoas vulneráveis, tem sido mais um golpe para os setores mais afetados, como idosos ou pessoas com deficiência.

Impacto na população e na economia doméstica

A falta de gás licuado, muitas famílias foram obrigadas a recorrer a práticas que eram consideradas superadas, como o uso de lenha para cozinhar, conforme registrado na reportagem publicada por Girón sob o título "A falta de gás... lenha ao fogo".

Este retorno ao passado não apenas simboliza um retrocesso em termos de qualidade de vida, mas também gera novos desafios, desde problemas de saúde devido à exposição à fumaça até um impacto ambiental significativo em áreas rurais onde se coleta a lenha.

Além disso, a situação tem um efeito indireto no consumo de eletricidade. Sem gás, muitas famílias dependem exclusivamente de eletrodomésticos para cozinhar, o que aumenta a demanda de eletricidade em um país já afetado por um sistema energético instável.

O mercado informal e o silêncio institucional

A escassez de gás também tem fomentado a atividade do mercado informal, onde os cilindros de gás podem atingir preços exorbitantes, superiores a 100 USD, e que chegam a 150 USD se a venda incluir o contrato.

Essa realidade contrasta com o custo oficial de cerca de 6,96 USD por cilindro, de acordo com dados do Ministério de Energia e Minas. Nesse contexto, as redes sociais tornaram-se um espaço para expressar o descontentamento popular, evidenciando o silêncio das instituições responsáveis pela distribuição do gás.

Enquanto isso, a falta de informações transparentes alimenta rumores e especulações. Os atrasos na chegada de navios com gás e as irregularidades detectadas nos pontos de venda apenas exacerbam a desconfiança dos cidadãos em relação às autoridades.

Um futuro incerto

Apesar dos esforços locais para enfrentar a crise, as perspectivas de uma solução a curto prazo são sombrias.

A escassez de cilindros, os problemas de transporte e a incapacidade de atender à demanda continuam sendo barreiras intransponíveis na atualidade. Enquanto isso, milhares de cubanos continuam se adaptando a uma realidade precária, onde conseguir um cilindro de gás se tornou um privilégio.

A crise do gás liquefeito em Cuba é um reflexo dos múltiplos desafios econômicos e sociais que o país enfrenta. Para a maioria, a espera interminável e as soluções insuficientes são a norma, enquanto a lenha continua a queimar nos fogões e na indignação de um povo cansado de sobreviver em condições extremas.

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Equipe Editorial da CiberCuba

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