Díaz-Canel não aceita a renúncia de Homero Acosta: Sinais de fratura ou crise moral no poder cubano?



Em Cuba, onde os silêncios pesam mais que as palavras, o fato de um homem como Homero Acosta querer ir embora — e o poder não permitir — diz muito mais do que os comunicados oficiais jamais dirão.

Homero Acosta Álvarez e Miguel Díaz-CanelFoto © X / @HomeroAcostaA - @PresidenciaCuba

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O hermético mundo do poder cubano deixou transparecer esta semana uma fissura pouco habitual: Miguel Díaz-Canel não aceitou a renúncia de Homero Acosta Álvarez, um dos homens mais influentes — e ao mesmo tempo mais discretos — do regime.

O anúncio chamativo, realizado na sessão do Conselho de Estado junto a outras renúncias aceitas, passou quase despercebido na mídia oficialista. Cubadebate se limitou a informar que “foram aceitas as renúncias de Ulises Guilarte de Nascimento e Ricardo Rodríguez González” e mencionou de forma superficial o pedido de renúncia de Acosta Álvarez.

A omissão do nome de Homero Acosta na lista de cargos liberados despertou diversas interpretações entre observadores e analistas: estamos diante de uma simples manobra administrativa, uma disputa interna ou do desgaste moral de um dos arquitetos jurídicos do castrismo?

Segundo informou o próprio presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP), Esteban Lazo Hernández, Acosta Álvarez apresentou sua renúncia ao seu assento como deputado, não aos seus cargos dentro do Estado. No entanto, sua entrega do assento parece ter sido expressamente rejeitada por enquanto.

Dessa forma, o secretário do Conselho de Estado e da ANPP permanece em ambas as funções, assim como em sua condição de deputado, após a decisão do governante de não aceitar sua renúncia legislativa.

Um funcionário de perfil discreto e poder elevado

Homero Acosta, de 61 anos, é um dos quadros mais veteranos e de maior confiança do aparelho castrista, mas também um dos menos visíveis.

Advogado de formação, professor universitário e ex-oficial das Forças Armadas, ocupa há mais de duas décadas cargos estratégicos na interseção entre o Partido Comunista, o Exército e o Parlamento.

Durante anos foi assessor jurídico do Ministério das FAR e posteriormente do Escritório do Segundo Secretário do Partido Comunista, quando esse cargo era ocupado nada menos que por Raúl Castro.

Desde então, Acosta Álvarez se consolidou como uma espécie de notário do poder, o encarregado de traduzir em linguagem jurídica as decisões políticas mais importantes da cúpula.

Seu ascenso culminou com sua nomeação, em 2009, como Secretário do Conselho de Estado, e mais tarde, em 2019, como Secretário da Assembleia Nacional do Poder Popular, papéis que o tornaram o principal coordenador do aparelho parlamentar cubano.

Nos fatos, nenhuma lei ou reforma constitucional passou despercebida pela sua revisão ou aprovação técnica.

Por isso, sua renúncia —e principalmente o fato de que não tenha sido aceita por Díaz-Canel— acendeu os alarmes.

O homem por trás da Constituição de 2019

Se há um nome associado à estrutura jurídica que sustenta o regime, esse é o de Homero Acosta.

Fue um dos redatores principais da Constituição de 2019, uma carta magna que, sob a aparência de modernização institucional, consolidou o poder absoluto do Partido Comunista, manteve o caráter socialista irrevogável do Estado e blindou juridicamente a repressão política.

Durante o processo constitucional, Acosta Álvarez se apresentou como o rosto técnico e racional do projeto. Em entrevistas com a televisão estatal e em fóruns internacionais, defendeu com serenidade a “superioridade do socialismo cubano” e a “necessidade de uma ordem constitucional forte”.

No entanto, nos últimos anos, seu papel tem estado cada vez mais associado à administração da crise estrutural do sistema: a dolarização de fato, a simulação de debates na ANPP sobre leis e programas de governo, a perda de legitimidade do poder legislativo e a crescente desigualdade entre aqueles que têm acesso a divisas e os que vivem com pesos cubanos.

A renúncia não aceita

O fato de que Díaz-Canel tenha aceitado as renúncias de Guilarte de Nascimento e Rodríguez González, mas não a de Acosta Álvarez, foi interpretado por alguns como uma tentativa de preservar a estabilidade técnica do regime.

A importância de Acosta dentro do sistema é inegável. Sua figura atua como cola jurídica e administrativa do Estado cubano, e seu conhecimento minucioso dos mecanismos legislativos o transforma em uma verdadeira eminência cinza dentro do regime.

Na prática, sem seu controle técnico e sua rede de coordenação parlamentar, a estrutura institucional do castrismo perderia coesão, o que explica por que sua saída é inaceitável para o poder.

Desgaste e dilemas

Desde há meses, circulam rumores sobre tensões entre setores do Partido Comunista, divididos entre uma linha “pragmática” que impulsiona a dolarização parcial da economia —essencial para sustentar a arrecadação do regime— e uma velha guarda ortodoxa, contrária às desigualdades que essa política acentuou.

Homero Acosta, formado no idealismo dos anos oitenta e vinculado à antiga estrutura jurídica do socialismo clássico, poderia estar enfrentando esse dilema moral: ver como o sistema que jurou defender se transforma em uma economia dual onde os militares e os dirigentes vivem em dólares, enquanto o povo sobrevive em pesos.

O projeto político e jurídico que Acosta Álvarez ajudou a codificar mostra sinais de esgotamento. Sua figura não é a de um ideólogo carismático, mas sim a de um técnico do poder, um operador institucional que sustentou por anos a estrutura legal do sistema.

Pero até mesmo um funcionário desse perfil pode chegar a um ponto de ruptura, especialmente quando o discurso socialista que defendeu se transformou em uma fachada que encobre corrupção, desigualdade e privilégios.

Outros observadores afirmam que Díaz-Canel não pode se dar ao luxo de aceitar a renúncia de Acosta Álvarez neste momento.

O regime está passando por uma transição de quadros-chave, com a saída ou realocação de figuras históricas do aparato político. Perder Homero Acosta —com seu conhecimento do marco constitucional e suas conexões no Partido e nas FAR— seria um golpe sério à estabilidade burocrática.

Por isso, o gesto dissimulado de “não aceitação” poderia ser interpretado como uma manobra de contenção, uma forma de ganhar tempo enquanto se negocia sua permanência ou uma saída “ordenada” que não deixe lacunas de poder.

Um homem do sistema em crise

Homero Acosta sempre encarnou o perfil do burocrata disciplinado e leal, sem discursos pomposos nem aparições frequentes na imprensa.

Pero sua influência é inegável: foi ele quem articulou a transição jurídica entre Raúl Castro e Díaz-Canel, quem supervisionou o desenho do novo Conselho de Estado e quem mantém o controle técnico sobre as decisões parlamentares.

Se a sua renúncia responde a um esgotamento pessoal, seria o sinal de que até mesmo os pilares mais sólidos do castrismo começam a mostrar fissuras internas.

Si, por outro lado, é uma jogada política controlada, isso poderia marcar o início de uma reconfiguração do poder onde Díaz-Canel —ou, mais precisamente, Raúl Castro e seu entorno militar— buscam substituir os velhos operadores por quadros mais dóceis.

A fenda sob a superfície

Sea qual for a causa, a “não renúncia” de Homero Acosta evidencia a vulnerabilidade do regime em seu próprio entrelaçamento institucional.

O que até há poucos anos parecia um aparelho monolítico agora apresenta sinais de desgaste, tensões internas e contradições morais.

O jurista que redigiu a Constituição que legitimou o poder pode estar vivendo o mesmo dilema que hoje enfrenta a elite comunista: manter uma estrutura que está desmoronando ou tentar, mesmo que em silêncio, afastar-se dela.

Em Cuba, onde os silêncios pesam mais que as palavras, que um homem como Homero Acosta queira ir embora —e que o poder não o deixe— diz muito mais do que os comunicados oficiais jamais dirão.

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