O sacerdote católico Alberto Reyes publicou uma mensagem em Facebook na qual aborda o "legado transgeracional" que pesa sobre a sociedade cubana, marcado pela cultura do medo, do submissão e da imobilidade política.
Reyes alega que os jovens herdaram uma forma de vida muito prejudicial, com a submissão como forma de segurança, o adoctrinamento como cultura, a agressão ao dissidente como um ato heroico, a vida precária como a virtude da resistência e a emigração como solução para os problemas.
O sacerdote camagüeyano, conhecido por suas críticas ao regime, lamenta que de pais para filhos tenha se perpetuado um padrão de silêncios e medos onde dissentir, expressar-se livremente ou simplesmente abster-se de participar em atos oficiais é visto como uma ameaça.
Apesar deste diagnóstico sombrio, afirma que há esperança.
Segundo ele, o primeiro passo rumo à cura desse legado surge quando, dentro da sociedade, aparece a pergunta essencial: "Por que tem que ser assim?", um questionamento que marca o início de uma verdadeira transformação.
A seguir, CiberCuba compartilha o texto completo da publicação:
Tenho refletido… (118) por Alberto Reyes Pías
Estive pensando na necessidade de curar o legado transgeneracional
Um legado é uma herança, algo que se recebe daqueles que vieram à vida antes de nós.
Cada geração transmite à seguinte seus valores, seu modo de pensar, sua maneira de se comportar… e é essa transmissão progressiva que chamamos de 'legado transgeracional', é a proposta de vida que chegou até nós passando de geração em geração.
A respeito deste processo, há uma notícia ruim e uma boa. A ruim é que nem sempre o que é transmitido é proveitoso, nem sempre o que recebemos como herança é benéfico.

Por exemplo, nas últimas décadas, o que nos foi transmitido de geração em geração? Foram transmitidos muitos medos: medo de dissidência, de nos expressarmos livremente, de dizer o que sentimos ou pensamos quando o que sentimos ou pensamos é contrário ao que nos foi ensinado como 'valores revolucionários'.
Se nos inculcou o medo de protestar publicamente e de tomar qualquer iniciativa pacífica que desvie dos desejos daqueles que nos governam, como pode ser a simples abstenção de participar em um ato público convocado por eles.
Se nos transmitiu a submissão como segurança, o doutrinamento como cultura, a delação como um dever, a agressão ao dissidente como um ato heroico, a vida precária e miserável como a virtude de resistir, a emigração como a solução para nossos problemas…
Essa é a má notícia, mas dissemos que existe uma boa, e a boa notícia surge quando uma pergunta ao mesmo tempo simples e poderosa emerge no seio de uma sociedade: 'Por quê?'.
Por que tem que ser assim? Por que não pode a sociedade ser mudada? Por que os mesmos de sempre têm que permanecer no poder, como se tivéssemos escolhido uma monarquia em vez de uma república? Por que temos que viver com medo de nos expressar, tanto com palavras quanto com gestos? Por que temos que emigrar, arrancar-nos desta terra onde nascemos e onde temos família, amigos, experiências que amamos, e ir para recomeçar do zero em uma terra desconhecida, à qual nunca pertenceremos totalmente, por mais que nos acolha? Por que?
É então que começa a ocorrer a cura do legado transgeracional, é então que tomamos consciência de que, embora seja importante preservar o que de bom nos foi transmitido, é igualmente importante transformar aquilo que nos impede de avançar, progredir e nos tornarmos uma nova geração, livre dos preconceitos e erros do passado, capaz de oferecer ao presente e ao futuro uma vida melhor, mais livre, mais plena, mais apta a responder às necessidades e desafios do nosso tempo.
Sim, definitivamente, precisamos curar, porque muito do que nos foi transmitido ao longo destes anos nos adoeceu, e estamos fartos de que continuem tentando nos fazer acreditar que essa doença é necessária, heroica e, acima de tudo, inabalável"
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