Lis Cuesta, a "repartera" da cultura oficial cubana

Se o regime cubano decidiu tornar-se "repartero", não nos surpreendamos se no próximo ato oficial virmos Díaz-Canel subido em um palanque desenfreado com "Pa la pinga", enquanto sua esposa se desmelena fazendo twerking com "Marca mandarina".

Lis Cuesta Peraza no evento e dançando em uma festaFoto © Facebook / Revista Temas - Captura de vídeo YouTube / América TeVe

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A recente participação de Lis Cuesta Peraza, esposa do governante Miguel Díaz-Canel e "diretora de eventos" do Ministério da Cultura, em um debate teórico sobre o gênero musical "reparto", organizado pela revista Temas, causou surpresa no meio oficial.

Mais além da surpresa de próprios e estranhos, a presença da "não primeira dama" no debate do meio oficialista também expôs uma das maiores contradições do regime cubano: seu repentino amor por um gênero musical que até pouco tempo atrás consideravam vulgar e nocivo à cultura nacional.

Captura de tela Facebook / Tópicos

Porque sim, o repertório agora é cultura. E Lis Cuesta, com sua característica eloquência e estilo inconfundível, participou do debate sobre "Repertório e polêmica social" e "compartilhou reflexões sobre este fenômeno musical".

"Este gênero, originado nas comunidades, surge do melhor da nossa cultura de resistência, mas também reflete um vazio na oferta musical que jovens e adolescentes desejam consumir, especialmente aquela que fomenta a conexão em grupo e a dança com ritmos intensos", destacou a funcionária.

Além disso, segundo Temas, a esposa de Díaz-Canel "destacou a originalidade das frases e expressões que o elenco toma da cultura cubana, assim como a contradição histórica das instituições culturais, que durante mais de uma década ignoraram este fenômeno".

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Criticando as "políticas culturais" do governo de seu marido, como a "falta de programação e estratégia para abordar" o fenômeno do reparto, Cuesta Peraza também destacou "a paradoxa entre a crescente popularidade do reparto nas redes digitais e sua expansão organizada em nível nacional e internacional, diante da validação rítmica e seu papel como expressão de resistência social".

Sin compreender exatamente a que se referia, os presentes que se reuniram na quinta-feira, 30 de janeiro, na sede da revista Temas, aplaudiram a "não primeira dama" e sua infinita sabedoria capaz de diferenciar os matizes rítmicos e líricos de "Bajanda" e "Guachineo", do ilustre Chocolate MC.

Do desprezo à aceitação: O regime descobre a divisão

Até alguns anos atrás, o reguetón e seu filho mais novo, o reparto, eram demonizados pelos órgãos culturais do país. Das tribunas oficiais, era acusado de ser vulgar, de promover valores "incorretos" e de ser uma degeneração da música cubana.

Não devemos esquecer que em 2012, os meios de comunicação estatais como Granma publicavam manchetes como "A vulgaridade na nossa música: Uma escolha do povo cubano?"; e que os "intelectuais cubanos" reivindicavam "um controle sobre as vulgaridades e o sexismo na música".

En esos anos, se amenazó con regulamentações contra a difusão desses gêneros no rádio e na televisão, e se promoveram campanhas para contrabalançar sua influência entre os jovens.

Mas... como os tempos mudam! Agora, quando a trilha sonora se consolidou como a banda sonora da juventude cubana, o governo, em sua tentativa desesperada de se conectar com um povo cada vez mais desencantado, decidiu que talvez não seja tão ruim assim, afinal.

E assim, em pleno 2024, vemos a própria Cuesta Peraza sentada em um evento teórico sobre gênero, junto a historiadores e musicólogos, debatendo sobre sua importância cultural.

Porque se você não pode vencê-los, melhor junte-se à festa. Ou como diria Osmani García, outro insigne expoente do gênero: "abre a bocuti, tragá-lo tuti".

Lis Cuesta: Do "mango" ao despelote na pista de dança

Que Lis Cuesta tenha se tornado a paladina do elenco é uma ironia que merece ser celebrada. Porque se alguém encarna a estética e o espírito deste gênero, essa pessoa é ela.

Recordemos que a "não primeira dama" tem sido tendência nas redes sociais pelo seu estilo descontraído e sua linguagem sem filtros.

Suas publicações chamando de "manga" a Díaz-Canel, seus arrebatos nas redes sociais, dançando para o "ditador do seu coração", ou suas saídas de tom a têm convertido em uma figura quase paródica dentro do cenário político cubano.

E o que dizer de seus momentos na pista de dança. Desde aqueles vídeos onde foi visto em Nova York, dando um bom casino com seu esposo, até outros mais recentes, onde ambos acabam em plena festa em reuniões oficiais, fica claro que Cuesta Peraza chega "até o fundo" e "pega a moedinha" com a música popular.

Y se não, que perguntem à jet set que assistiu à festa privada celebrada em 2018 no restaurante Rancho Palco, no bairro habanero de Siboney, onde foi comemorada a boda da filha do falecido comandante Juan Almeida Bosque. O "despelote" da "não primeira dama" fez história.

Por isso, vê-la em um evento teórico sobre a distribuição não é apenas uma anedota, mas sim a confirmação de que em Cuba a cultura oficial está dando voltas inesperadas, mesmo que isso signifique engolir anos de críticas.

O regime flerta com a música urbana

Além da presença de Lis Cuesta, este evento demonstra a mudança de estratégia do regime cubano em relação à música urbana. Agora, em vez de censurar a distribuição, preferem integrá-la ao discurso oficial e buscar maneiras de usá-la como ferramenta política.

Ya Díaz-Canel havia tentado aproximar-se ao povo tocando tumbadoras, ou cantando algum pasillo, como o nengón que dançou em Guantánamo após a passagem do furacão Oscar. Agora é sua esposa quem se senta para debater sobre a distribuição, legitimando-a dentro dos espaços culturais institucionais.

Mas não nos enganemos: essa aceitação é seletiva. Enquanto o governo tenta apropriar-se da narrativa da distribuição, ainda existe censura e repressão contra certos artistas urbanos que não se alinham com seu discurso.

O cinismo cultural da "continuidade"

O caso do reparto é apenas mais um exemplo do cinismo cultural da "continuidade" que lidera Díaz-Canel. O que ontem era condenado, hoje é celebrado; o que ontem era vulgar e indesejável, hoje é motivo de debates acadêmicos.

O oportunismo com que adotaram essa música evidencia a falta de coerência e a tentativa desesperada de se manterem relevantes em uma sociedade que cada vez lhes presta menos atenção.

Assim, se o regime cubano decidiu se tornar "repartero", não nos surpreendamos se no próximo ato oficial vermos Díaz-Canel em cima de um palco desenfreado com "Pa la pinga", enquanto sua esposa se desmelena fazendo twerking com “Marca mandarina”.

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Iván León

Licenciado em jornalismo. Mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática de Madri. Mestrado em Relações Internacionais e Integração Europeia pela UAB.