O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, reacendeu a polêmica sobre a cidadania por direito de nascimento, uma disposição garantida pela 14ª Emenda da Constituição dos EUA.
Em entrevista à rede NBC, neste domingo, Trump prometeu tomar medidas para acabar com essa prática, chamando-a de "ridícula" e antecipando que poderia fazê-lo por meio de uma ordem executiva.
No entanto, essa proposta enfrenta sérios desafios legais, uma vez que a cidadania por nascimento é protegida pela própria Constituição.
O que é a cidadania por direito de nascimento?
A cidadania por direito de nascimento, também conhecida como jus soli (direito do solo), é um princípio legal que garante a cidadania automática a todas as pessoas nascidas no território de um país, independentemente do status migratório de seus pais.
Nos Estados Unidos, esta disposição está consagrada na 14ª Emenda, que estabelece que "todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do estado em que residem".
Este princípio se aplica de forma automática e tem sido um pilar fundamental para a integração de gerações de imigrantes na sociedade americana.
No entanto, tem estado no centro do debate migratório, especialmente no discurso político da direita conservadora, que afirma que é utilizada de forma abusiva pelos chamados "bebês âncora".
A proposta de Trump
Donald Trump propôs acabar com a cidadania por nascimento por meio de uma ordem executiva.
Segundo explicou, seu objetivo é reverter o princípio que concede automaticamente a cidadania a qualquer pessoa nascida em território americano.
Esta não é a primeira vez que Trump levanta essa ideia. Durante sua administração de 2016 a 2020, ele já havia anunciado que estava "avaliando muito seriamente" a possibilidade de acabar com essa disposição.
Em sua última declaração, Trump afirmou que "somos o único país que a possui", uma afirmação incorreta. Esse ponto foi desmentido por agências de verificação de fatos, que destacaram a imprecisão de sua afirmação.
Quais países concedem nacionalidade incondicional por nascimento?
Além dos Estados Unidos, atualmente existem outros 29 países - a maioria latino-americanos - que concedem nacionalidade automática a qualquer pessoa nascida dentro de seus limites, excluindo apenas os filhos de diplomatas estrangeiros e os filhos de forças inimigas que ocupam o país.
Estes países são: Antígua e Barbuda, Argentina, Barbados, Belize, Brasil, Canadá, Chade, Chile, Cuba, Dominica, Equador, El Salvador, Fiji, Granada, Guatemala, Guiana, Honduras, Jamaica, Lesoto, México, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, São Cristóvão e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Uruguai e Venezuela.
São países que, ou possuem sistemas legais derivados do direito consuetudinário britânico, onde se desenvolveu a prática do "jus soli", ou estabeleceram a medida de conceder cidadania instantânea com o objetivo de atrair pessoas para seus territórios, como ocorre em nações da América Central e América do Sul.
É possível eliminar a cidadania por nascimento nos Estados Unidos com uma ordem executiva?
Este é o ponto mais controverso e complexo da proposta de Trump.
A cidadania por nascimento está garantida pela 14ª Emenda da Constituição dos EUA, e para modificar ou eliminar essa disposição seria necessário emendar a própria Constituição.
Esse processo requer a aprovação de dois terços de ambas as câmaras do Congresso e a ratificação de três quartos dos estados, algo que parece quase impossível no atual panorama político.
Os especialistas jurídicos apontam que qualquer tentativa de fazê-lo por meio de uma ordem executiva enfrentará imediatamente uma avalanche de ações judiciais.
De fato, a proposta foi considerada "inconstitucional" por destacados especialistas em direito constitucional, que afirmam que a cláusula de cidadania da 14ª Emenda não pode ser alterada por uma ordem executiva presidencial.
O que dizem os juristas?
A maioria dos especialistas jurídicos concorda que a proposta de Trump é inviável do ponto de vista constitucional.
Erwin Chemerinsky, decano da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, afirma que "a cidadania por nascimento não está sujeita a interpretação, está claramente protegida pela 14ª Emenda".
Neal Katyal, ex procurador-geral interino dos EUA, afirmou que "nenhum presidente pode revogar uma disposição constitucional com uma ordem executiva, e qualquer tentativa de fazê-lo seria imediatamente anulada pelos tribunais".
O Instituto de Política Migratória (MPI) argumenta que uma mudança dessa magnitude exigiria uma emenda constitucional, o que requer um amplo consenso político que, atualmente, parece inatingível.
Qual seria o impacto da eliminação da cidadania por nascimento nos Estados Unidos?
O impacto dessa medida seria devastador para milhões de famílias imigrantes e para a própria economia americana. Atualmente, a cada ano, mais de 300.000 crianças nascem nos Estados Unidos e obtêm a cidadania de forma automática com base nesse princípio.
Se esse direito for eliminado, criaria-se uma nova classe de "apátridas", crianças nascidas em território americano que não teriam nacionalidade nem acesso a direitos básicos.
Os críticos dessa medida argumentam que:
A afetaria as famílias mistas: Muitas famílias formadas por pais indocumentados e crianças nascidas nos EUA seriam separadas.
- Aumentaria a população sem cidadania: As crianças sem cidadania estariam expostas à exploração laboral, ao tráfico de pessoas e à marginalização social.
- Complicaria o sistema migratório: O sistema atual já está colapsado devido ao processamento de pedidos de asilo e vistos. Adicionar um novo grupo de pessoas sem status legal apenas agravaria a situação.
Reações políticas e sociais
As reações à proposta de Trump não tardaram a surgir. Do Partido Democrata, a resposta foi contundente.
Líderes políticos e ativistas apontaram que a proposta é "inconstitucional" e um ataque direto aos direitos civis.
Por sua parte, organizações de direitos humanos, como a American Civil Liberties Union (ACLU), já alertaram que qualquer tentativa de modificar a 14ª Emenda será enfrentada com ações judiciais imediatas.
Por outro lado, a base conservadora e os seguidores de Trump veem com bons olhos essa proposta. O discurso contra a imigração tem sido um eixo fundamental na agenda de Trump desde 2016, e seus apoiadores o consideram um passo necessário para "recuperar o controle das fronteiras".
O que poderia acontecer?
Se Trump prosseguir com a ordem executiva, o cenário mais provável seria o seguinte:
Assinatura da ordem executiva: Trump emite a ordem para eliminar a cidadania por nascimento.
Demandas legais imediatas: Grupos de direitos civis, procuradores-gerais de diversos estados e organizações migratórias apresentam ações em tribunais federais.
Suspensão temporária da ordem: Os juízes poderiam emitir ordens de restrição temporária enquanto as demandas são resolvidas.
-Corte Suprema: O caso pode chegar à Corte Suprema dos EUA, onde os juízes terão que decidir se a 14ª Emenda permite ou não essa modificação por meio de uma ordem executiva.
A polêmica está instaurada e espera-se uma batalha legal que pode chegar até a Suprema Corte.
Perguntas frequentes sobre a cidadania por nascimento e as propostas migratórias de Trump
O que é a cidadania por direito de nascimento nos Estados Unidos?
A cidadania por direito de nascimento é um princípio estabelecido pela 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que concede cidadania automática a qualquer pessoa nascida em território americano, independentemente do status migratório de seus pais. Essa disposição foi criticada por Donald Trump, que expressou sua intenção de abolir essa prática por meio de uma ação executiva.
É possível eliminar a cidadania por nascimento nos Estados Unidos com uma ordem executiva?
Não é possível eliminar a cidadania por nascimento por meio de uma ordem executiva, uma vez que está garantida pela 14ª Emenda da Constituição dos EUA. Qualquer tentativa de alterar essa disposição exige uma emenda constitucional, um processo complexo que envolve a aprovação de dois terços de ambas as câmaras do Congresso e a ratificação por três quartos dos estados. Especialistas legais qualificam a proposta de Trump como inconstitucional.
Quais países concedem a cidadania por direito de nascimento?
Mais de 30 países concedem cidadania por direito de nascimento, incluindo Estados Unidos, Canadá, Brasil e vários países latino-americanos. Essa disposição, conhecida como "jus soli" ou direito do solo, é comum em nações com sistemas legais derivados do direito consuetudinário britânico ou que buscam atrair imigrantes para povoar seus territórios.
Qual seria o impacto da eliminação da cidadania por nascimento nos Estados Unidos?
A eliminação da cidadania por nascimento teria um impacto devastador para milhões de famílias imigrantes e para a economia dos Estados Unidos. Novas classes de "apátridas" seriam criadas, crianças nascidas nos EUA sem nacionalidade ou acesso a direitos básicos, afetando famílias mistas e complicando ainda mais o sistema migratório.
Quais são as reações à proposta de Trump de eliminar a cidadania por nascimento?
A proposta de Trump gerou reações mistas. Enquanto os democratas e organizações de direitos humanos a qualificam como inconstitucional e um ataque aos direitos civis, a base conservadora e os seguidores de Trump a apoiam, considerando-a um passo necessário para controlar a imigração.
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