"Quem você escolheria como Presidente?": A sociedade civil projeta visões do futuro democrático de Cuba

Embora ainda longe do nível de organização política dos venezuelanos, assim como de seus níveis de liberdade de expressão e de imprensa, os atores da sociedade civil cubana começam a pensar nesse "dia de amanhã" em que a ditadura perca seus apoios internos e externos, e caia.

El Capitolio de La Habana © Facebook / Yander Zamora
O Capitólio de HavanaFoto © Facebook / Yander Zamora

Nos últimos dias, representantes da sociedade civil cubana colocaram em pauta um tema de discussão que denota a maturidade política que os diferentes atores que se opõem ao regime totalitário começam a mostrar e que reivindicam uma transição para a democracia no país.

Concentradas em denunciar as violações dos direitos humanos, a falta de liberdades e a repressão exercida pela ditadura, as vozes de opositores, ativistas, jornalistas independentes e outros atores da sociedade civil, postergaram o diálogo social necessário para abrir os caminhos para a mudança que é amplamente reivindicada pela sociedade cubana.

Aplastada de maneira cruenta a oportunidade que significou o Projeto Varela impulsionado pelo líder do Movimento Cristiano de Libertação, Oswaldo Payá Sardiñas – que faleceu junto a Harold Cepero Escalante em circunstâncias obscuras – e silenciadas outras iniciativas por meio de repressão brutal e censura (como Estado de SATS, CubaDecide ou Cuba Século XXI), a sociedade civil em Cuba continua órfã de um debate sobre “visões de país” que agregue e conduza a diversidade de enfoques por um caminho de ação.

Se soma a essa carência o trabalho da contrainteligência do regime cubano, que concentra ingentes recursos para perseguir, prender e destruir todo foco de pensamento que irradie ideias renovadoras e revulsivas para a sociedade. Nesse sentido, é necessário reconhecer o efeito paralisante que se espalhou entre os cubanos devido à Segurança do Estado, seja utilizando métodos violentos ou semeando a divisão e a confusão entre os atores da sociedade civil, muitas vezes com pseudo projetos de mudança e de “oposição leal”.

No entanto, impulsados pelos ventos de mudança na Venezuela e pela esperança que transmite a luta dos venezuelanos para recuperar a democracia e o império da lei em seu país, são muitos os cubanos que percebem a necessidade de avançar um pouco mais além da denúncia da ditadura e unir as diversas vozes da Ilha e do exílio para criar uma massa social crítica que force o cerrojo do regime, e abra Cuba a uma mudança após o esgotamento de um “projeto revolucionário” que está há mais de 65 anos no poder, impondo de forma violenta e totalitária um modelo comunista que destruiu a vida cívica, a riqueza e a liberdade dos cubanos.

Embora ainda longe do nível de organização política dos venezuelanos, assim como de seus níveis de liberdade de expressão e de imprensa, os atores da sociedade civil cubana começam a pensar nesse “dia de amanhã” em que a ditadura perca seus apoios internos e externos, e caia.

Como se dá forma a um processo de transição, quais condições precisam ser alcançadas, como se alcançam? Que papel exercem os ativistas, os sindicatos, a imprensa independente, as organizações e os líderes da oposição nesse processo? Não é um tema simples, sem dúvida, mas a sociedade civil está abrindo esse caminho em debates que cada vez atraem mais atenção nas redes sociais, nas publicações, no exílio ou nas filas, esse fórum do povo comum.

Captura de tela Facebook (fragmento) / Javier Bobadilla

“Há algumas semanas, Edmundo Dantés Junior, destacado influenciador, publicou uma pesquisa onde convidava a propor candidatos presidenciais para a Cuba que sonhamos”, disse no Facebook o ativista cubano Javier Bobadilla, refletindo sobre a pergunta lançada pelo popular perfil de redes sociais.

Em concreto, Edmundo Dantés Junior perguntou: “Quem você gostaria que fosse o presidente de Cuba quando a situação cair?”. Sua análise das respostas recebidas coloca o foco nas expectativas que moldam o discurso social da Cuba atual e constitui uma mostra das ideias que permeiam de maneira aberta e oculta a sociedade civil que anseia por uma mudança.

Que conclusões podem ser tiradas da pesquisa do ativista?

“Analisando as características dos escolhidos (sérios), busca-se alguém inteligente, com senso de humor, boa oratória. Que saiba escrever e explicar. Que ouça e seja consequente. Corajoso, que não tema dizer a verdade e no que acredita, seja qual for a consequência. Alguém entre 30 e 60 anos, com os pés no chão, senso de justiça e igualdade de direitos. Que acredite na democracia e no indivíduo pensante que decide por si mesmo. Alguém com senso de justiça”, apontou Edmundo Dantés Junior.

Além disso, observou que “quase todos escolheram pessoas que admiram. Não necessariamente que sejam políticos, que queiram ser ou que fossem bons nisso. Mas tudo bem, admirar é importante. Respeitar quem nos dirige”.

Captura de tela Facebook (fragmento) / Edmundo Dantés Junior

“Quando chegar o momento, há muitos planos para a transição, projetos e muitas pessoas por trás. Continuo pensando que esses projetos devem buscar uma forma de serem conhecidos por toda a população de uma maneira que a população entenda, não somente estarem lá. Há muitos cubanos dignos, muitos, e com muitas ideias. Quando chegar o momento, espero que estejamos menos traumatizados, saibamos que temos direito a votar/escolher nosso presidente porque nós, o povo, somos quem viverá essa realidade e suas consequências”, acrescentou.

Tal como destacou Bobadilla, a lista resultante da pesquisa foi liderada pela intelectual, ativista e acadêmica Alina Bárbara López Hernández e pelo sacerdote Alberto Reyes, duas figuras de solidez teórica, potente oratória e integridade moral. Mas outros nomes da sociedade civil também apareceram entre as vozes que salpicaram a pesquisa de zombarias e sarcasmos.

“Você foi perguntado sobre o Dia Depois? O dia em que você será livre. O que você vai fazer? O dia depois é quando a liberdade te sobrecarrega... Chama-se Impotência Aprendida. É o comportamento resultado da depressão crônica e da negação do controle sobre a própria vida. Você já viu pessoas vivendo em animação suspensa esperando a saída do país? Nada vai mudar? Sintomas claros de impotência aprendida. Você passou toda a sua vida em um relacionamento de abuso psicológico com um narcisista. Te ensinaram que você era lixo e você acreditou, e agora isso é parte de você. Isso também precisa ser eliminado pela raiz”, refletiu Bobadilla.

Convidando à participação ativa nesse debate, o ativista reconheceu que “nessa lista há pessoas por quem eu votaria em uma eleição presidencial, porque conquistaram minha confiança. Além disso, nessa lista há diversidade, desde social-democracia até a direita conservadora”.

“É hora de que levemos isso a sério. Digo ainda mais. Nessa lista há pessoas dispostas a assumir a responsabilidade e carregar um país nas costas. Vi a lista e vou levá-la a sério, porque eu vi Presidentes, Primeiros Ministros e Ministros. Assim, com letra maiúscula”, propôs.

“Eu seria Presidente? Sim, porra, se até um idiota como Maduro é presidente. Alina seria Presidente? Sim, melhor do que eu. O Padre Alberto seria Presidente? Um Presidente fará por si só uma nação? Não. Nós faremos a nação em torno do Presidente. É assim que vai funcionar. Acredite, porque já está na hora”, concluiu.

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Iván León

Licenciado em jornalismo. Mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática de Madri. Mestrado em Relações Internacionais e Integração Europeia pela UAB.


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