O medo mudou de lado há 30 anos.

A propaganda do regime quis mostrar o Maleconazo como uma explosão de vândalos e gusanos, desarticulada com a simples presença do ditador Fidel Castro, que chegou "sem escoltas, cercado pelo povo" para devolver a ordem e a paz e recuperar "as ruas para os revolucionários".

Represores vestidos de civil disparan con pistolas durante las protestas © BBC / Karel Poort
Repressores vestidos de civil disparam com pistolas durante os protestos.Foto © BBC / Karel Poort

Era 5 de agosto de 1994, pleno Período Especial, e o regime cubano não suspeitava que viveria um dos dias mais desafiadores de sua história sangrenta, após a queda do Muro de Berlim.

A falta de comida, combustível e transporte tinha deixado os cubanos em carne e osso, carregados como almas penadas sobre as Flying Pigeon dos chineses, pedalando até suar o bicomplex que o regime lhes dava para amenizar a fome e o aumento da polineurite.

Apagões, jornadas sem água, calor e quase 10 anos ouvindo aquela frase de “agora sim vamos construir o socialismo” - enquanto os olhos viam o país desmoronar, o turismo internacional irromper acentuando a discriminação, e se levantarem os primeiros líderes de uma “proto-continuidade” gritante de consignas - foram aquecendo a panela.

O afundamento deliberado e criminoso do rebocador “13 de março”, perpetrado em 13 de julho daquele ano por ordens de algum poderoso covarde que já não pagará, deixou um saldo de 41 mortos, dos quais 10 eram menores de idade.

Mas deixou algo mais: a sensação de que já restava pouco a perder em um país que havia perdido sua aura de “justiça” e que mostrava a verdadeira face de seus governantes: uns fanaticos desconectados da realidade e capazes de provocar um banho de sangue para se manter no poder.

A panela explodiu e o povo chamou esse episódio singular de protesto de El Maleconazo. A propaganda do regime quis mostrá-lo como um surto de vândalos e gusanos, desarticulado com a mera presença do ditador Fidel Castro, que chegou "sem escoltas, cercado pelo povo" para devolver a ordem e a paz e recuperar "as ruas para os revolucionários".

Não existiam smartphones nem redes, mas o fotógrafo holandês Karel Poort registrou os distúrbios com sua lente. Não captou nem uma milésima parte do que aconteceu naquele dia: as pessoas correndo pelo Malecón aplaudindo aqueles que haviam sequestrado a Lanchita de Regla para ir aos Estados Unidos, o desembarque das Brigadas de Resposta Rápida disfarçados de trabalhadores do contingente Blas Roca, as ferros, as cabeças quebradas, o sangue, os gritos, o terror.

Mas algo sim captou o visitante e sua câmera. Por mais que quisessem vender a repressão de uniformizados vestidos de civil como uma “vitória do povo”, Poort pressionou o obturador e obteve a prova da grande mentira: represssores vestidos à paisana nas proximidades do hotel Deauville, disparando para o alto com suas pistolas para dissolver os manifestantes.

Depois disso, depois de muita pancada, cabillazos e caminhões repletos de detidos, apareceu o Grande Demagogo com cinco anéis de segurança para representar o papel de macho alfa que tanto agradava a massa revolucionária.

Agora se diz que com as históricas protestas de 11 de julho de 2021 (11J) “o medo mudou de lado”. Mas o certo é que o medo dos machos revolucionários vem de antes, daquela 5 de agosto em que pela primeira vez ouviram o rugido do esquelético povo que começava a tomar consciência da opressão do regime totalitário construído por um ditador agarrado ao poder, e com tremores diante do “desmoronamento” do campo socialista.

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Iván León

Licenciado em jornalismo. Mestrado em Diplomacia e Relações Internacionais pela Escola Diplomática de Madrid. Mestrado em Relações Internacionais e Integração Europeia pela UAB.


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