La Havana denuncia ingerência estrangeira na Venezuela enquanto assessora a repressão de Maduro.

As protestas de Havana contra a suposta "ingerência nos assuntos internos" da Venezuela contrastam com a penetração do regime cubano nas instituições do país andino, especialmente nos estamentos armados e na assessoria em matéria de controle social e repressão.

Ejercicios militares en Venezuela con la bandera de Cuba al fondo © Twitter / @ceofanb
Exercícios militares na Venezuela com a bandeira de Cuba ao fundo.Foto © Twitter / @ceofanb

O regime cubano pediu o fim do "ingerencismo" na Venezuela e denunciou a resolução aprovada pelos países que integram a Organização dos Estados Americanos (OEA) a respeito da fraude eleitoral cometida pelo regime de Nicolás Maduro.

“Como alertamos, impôs-se uma resolução intervencionista sobre a Venezuela na OEA. Essa organização, que apoiou golpes de Estado, ditaduras e não condenou invasões dos EUA na região, carece de autoridade para instar nossos países a se submeterem a mandatos espúrios. Cesse o intervencionismo”, reclamou no X o chanceler cubano Bruno Rodríguez Parrilla.

O Conselho Permanente da OEA aprovou nesta sexta-feira, por consenso, uma resolução que urgia o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela (CNE) a publicar as atas da eleição presidencial de 28 de julho, desagregadas por mesa de votação.

Impulsada pelos Estados Unidos, a resolução também chamou o CNE a “respeitar o princípio fundamental da soberania popular, através de uma verificação imparcial dos resultados que assegure a transparência, a credibilidade e a legitimidade do processo eleitoral.”

O texto consensuado refletiu as preocupações expressas por vários países da região em relação à transparência e justiça de umas eleições manipuladas por um regime que pretende perpetuar-se no poder ao desconsiderar a vontade popular expressa nas urnas pelos venezolanos.

Além disso, condenou a repressão desencadeada por Nicolás Maduro após a fraude eleitoral e as manifestações pacíficas de protesto convocadas pela oposição.

Acorde à Missão internacional independente de determinação de fatos sobre a Venezuela, estabelecida pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, foram registradas pelo menos 23 mortes, a maioria delas por disparos, no contexto dos protestos que abalaram o país.

Além disso, a Missão documentou a detenção de pelo menos 1.260 pessoas, incluindo 160 mulheres, embora o Procurador-Geral da Venezuela tenha elevado o número para mais de 2.200 detidos, muitos dos quais foram qualificados como "terroristas".

A resolução ―adotada sem que houvesse votação pública― conseguiu avançar duas semanas depois que um projeto anterior, discutido em 31 de julho, não obteve os votos suficientes para ser aprovado. Naquela sessão, o documento teve 17 votos dos 18 necessários, com 11 abstenções e cinco ausências.

Denunciado como fraudulento pela maioria dos países da comunidade internacional, o resultado das eleições venezuelanas proclamado pelo CNE só foi reconhecido por um punhado de países aliados do regime de Maduro, entre os quais estão Cuba, Rússia, China e Irã.

Informe da OEA denunciou a assessoria do regime cubano na repressão na Venezuela.

As protestas de Havana contra a suposta "ingerência" de países latino-americanos nos "assuntos internos" da Venezuela contrastam com a penetrgação do regime cubano nas instituições do país andino, especialmente nos estamentos armados e na assessoria sobre controle social e repressão.

Em maio, a OEA apresentou o sétimo relatório anual do Instituto Casla, encarregado de compartilhar com a América Latina as lições de democracia e economia que podem ser extraídas da transformação dos países ex-comunistas da Europa Oriental.

Elaborado por especialistas internacionais independentes, o estudo denunciou a assessoria cubana na maquinaria repressiva da Venezuela e solicitou ao Tribunal Penal Internacional que investigue sua intervenção e participação na comissão de crimes contra a humanidade na Venezuela.

Tamara Sujú, diretora do Instituto Casla, leu na apresentação do relatório o testemunho de uma vítima venezuelana de tortura que conta como a penduraram de cabeça para baixo e a açoitaram nos pés com chicotadas, que lhe fizeram saltar as unhas poucos dias depois. "Havia um cubano que, rindo, dizia a quem me açoitava: 'Parece que você não está batendo com força suficiente. Acho que vou ter que te ensinar como se faz'. Esse cubano me açoitava brutalmente os pés."

"Depois das manifestações de 2014, Maduro ficou à frente da perseguição, apoiado pela experiência do regime cubano em matéria de repressão e acompanhamento, aplicação de técnicas intimidatórias, de tortura para submeter opositores e dissidentes, permitindo-lhes a participação na planejamento e execução das torturas e violência sexual", acrescentou Sujú.

O Instituto Casla identificou uma unidade semissecreta do Serviço Bolivariano de Inteligência Nacional (Sebin) dedicada ao treinamento de agentes no que chamam de Base Cien. Nela, explicou Sujú, altos oficiais cubanos se dedicam à formação de funcionários que se infiltram nos partidos políticos.

"Pedimos à equipe de investigação da Corte Penal Internacional (CPI) que leva o caso da Venezuela, investigar o regime cubano por sua participação direta na formação, planejamento da repressão, perseguição e na indução de crimes tipificados no Estatuto de Roma", re ressaltou a diretora do Instituto Casla após denunciar o regime cubano na CPI por crimes contra a humanidade cometidos em território venezuelano.

A denúncia compreende três partes. A primeira é um compêndio sobre os antecedentes da ingerência cubana na Venezuela e a penetração e imposição do modelo ideológico castrista-comunista em todas as instituições públicas, organismos de segurança e inteligência e Forças Armadas Nacionais, onde testemunhas de Cuba e da Venezuela narraram para o tribunal como ocorreu essa fusão.

A segunda compreende depoimentos de militares e civis e sua experiência com o governo cubano, seja porque trabalharam com eles dentro da estrutura institucional, porque foram formados e treinados na Venezuela e em Cuba por oficiais cubanos ou porque tiveram contato direto com agentes militares ou de inteligência cubana.

Por último, a terceira parte inclui os testemunhos das vítimas de torturas induzidas ou executadas por oficiais cubanos, juntamente com oficiais venezuelanos, insistiu Sujú.

O Instituto Casla obteve os oito acordos confidenciais assinados entre Cuba e Venezuela em 26 de maio de 2008, pelo general Álvaro López Miera, que na época era vice-ministro das Forças Armadas de Cuba e chefe do Estado Maior, e pelo general Gustavo Reyes Rangel Briceño, ministro do Poder Popular para a Defesa. López Miera é atualmente ministro da Defesa de Cuba.

O primeiro acordo entre Venezuela e Cuba fala sobre a criação e as condições de permanência na Venezuela do Grupo de Coordenação e Ligação de Cuba. O segundo, sobre o desenvolvimento do Serviço de Inteligência Militar, e o terceiro acordo, sobre a assistência técnica na esfera de contrainteligência.

Bruno Rodríguez Parrilla e suas declarações de 2019 desmentindo o intervencionismo cubano.

"Um governo reconhecido pelo uso da mentira tem Bolton como alto expoente. Ele mente ao dizer que há um exército de 25.000 efetivos cubanos na Venezuela. Acompanha uma verdade: confessa a aplicação da Doutrina Monroe", tuitou o chanceler cubano em março de 2019 com a etiqueta #MãosForaDaVenezuela.

Um mês antes, o líder opositor venezuelano Juan Guaidó afirmava que “se há uma intervenção sobre a Venezuela, é a de Cuba”, uma apreciação compartilhada e denunciada pelos Estados Unidos.

Por volta da mesma época, uma equipe de jornalistas da Univision, liderada por Jorge Ramos, denunciou a detenção que sofreram no Palácio de Miraflores durante uma entrevista que incomodou Nicolás Maduro. Os repórteres, que foram deportados, afirmaram que agentes cubanos participaram da operação.

Em setembro de 2018, tropas cubanas participaram de manobras militares junto com a Força Armada Nacional (FAN) da Venezuela, segundo informou o portal Infodefensa. Nas manobras militares, que foram realizadas na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela, também estiveram efetivos da Rússia e da China.

"Vamos senhor Bruno Rodríguez, já não são mais os tempos em que escondiam tudo do mundo. E que Fidel se levantava para falar do Internacionalismo Proletário. Acabou o tempo das mentiras Sr. Bruno. Acabou o tempo. Tic Tac, Tic Tac...", lembrou em março de 2019 ao chanceler cubano o jornalista independente Yordan Roque Álvarez.

Suas palavras foram reproduzidas nas redes sociais do Observatório Cubano de Direitos Humanos (OCDH), que publicou uma extensa relação das forças militares e repressivas cubanas presentes na Venezuela.

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